RÁDIO MENSAGEIRA DA PAZ

terça-feira, 18 de março de 2014

(carta 197) As tentações do diabo, do mundo e da carne - Santa Catarina de Siena

(carta 197) As tentações do diabo, do mundo e da carne




Saudação e objetivo
Em nome de Jesus Cristo crucificado e da amável Maria, caríssimo irmão e filho no doce Cristo Jesus, eu Catarina, serva e escrava dos servos de Jesus Cristo, vos escrevo no seu precioso sangue, desejosa de vos ver como pedra firme, e não como folha levada por todos os ventos.
Três perigosas dificuldades
Porque a pessoa que não está alicerçada na rocha viva, que é Jesus Cristo – pondo o seu desejo somente em Deus e não nas realidades transitórias do mundo que passam como o vento – desanima por estar privada da graça divina. A graça conserva a alma, concede-lhe a vida e perfeita iluminação nas trevas, grande paciência, temor de Deus, humildade e amor fraterno pelo próximo. Essa pessoa não se impacienta sob o impacto das tribulações, nem falsamente sente-se feliz ao sopro das consolações espirituais, nem inflada de orgulho por causa da riqueza e da fumaça das honrarias humanas.
Nada disso lhe acontece, porque é firme. Seu alicerce é Cristo crucificado. A pessoa nem se preocupa com o sopro das três ventanias principais, causadas pelo diabo, pelo mundo e pela carne.
As tentações do diabo
Em primeiro lugar, do diabo procede a ventania de numerosas imaginações e tentações. A tentação de vaidade torna o coração leviano, imaturo, com forte desejo de alcançar altas posições no mundo; e que às vezes se apresenta em coloração de virtude. Essa é a pior ventania que se conhece. Somente a pessoa humilde não se deixa enganar por ela. A coloração de virtude, dada pelo diabo, é esta: a pessoa é maldosa e desprovida de virtude, mas tem um começo de desejo das coisas de Deus e dá algum sinal de virtude. Mas é ainda imperfeita, sem conhecimento de si e põe-se a investigar sobre a vida alheia, tanto material como espiritualmente. Então o diabo sugere um julgamento falso. A pessoa começa a julgar maldosamente o próximo, os servos de Deus e os amigos do mundo. E nem percebe o que o faz. Por que não percebe? Porque o diabo disfarçou o seu julgamento com o manto da virtude e a pessoa acha que faz o bem. Parece-lhe obter um duplo efeito, muitas vezes, como de estar fazendo um ato de culto a Deus. Mas engana-se porque age por orgulho. Se ela fosse humilde e se baseasse num conhecimento verdadeiro de si mesma, envergonhar-se-ia de emitir tais julgamentos; compreenderia que impõe regras a Deus. De fato, é o que faz ao criticar os servidores de Deus, ao querer orientar as pessoas segundo suas idéias e não como Deus as chama.
É por isso que a pessoa alicerçada na rocha viva, que é Cristo, oporá resistência a tais atitudes e, com muita humildade, procurará alegrar-se e glorificar a Deus pelos costumes e comportamentos dos seus servos; e, ao mesmo tempo, pedirá à misericórdia divina que olhe com piedade para aquelas pessoas, tirando-as do pecado e reconduzindo-as à virtude. Dessa maneira a pessoa tira uma rosa do espinheiro, conserva pura sua alma, sem dar asas à imaginação e enchendo à memória de fantasias sobre coisas espirituais e materiais. Isso fazem pessoas loucas, tolas e presunçosas que nada viram e investigam comportamentos alheios, de como fazer o bem. Essas se deixam levar pela ventania do diabo, tão perigosa. Ó boca maldita, como envenenaste com teu mau hálito o mundo, as pessoas do mundo e de fora dele, como ficou dito antes. Após julgar mal dentro de si mesma, tal pessoa, vazia põe-se a criticar, escandalizada com as coisas de Deus e do próximo. Uma pessoa assim deve ser evitada com santa prudência.
As tentações do mundo
Outra perigosa e perversa ventania é a do mundo. Consiste no egoísmo desordenado da pessoa complacente consigo mesma e que procura consolações e prazeres. Com o pensamento, ela esconde as trevas, a miséria e a transitoriedade do mundo, imaginando-o belo e agradável. Desse modo engana-se, imaginando que a vida é longa, quando na realidade é breve. Os prazeres, as consolações e a riqueza são vistos como coisas definitivas, e no entanto são mutáveis. Tudo nos é dado como empréstimo, para uso nas necessidades. Uma coisa é certa! Ou tais realidades são tomadas do homem, ou o homem é tomado delas. São retiradas de nós quando às vezes as perdemos, quando alguém no-la rouba ou por outros acontecimentos que as destróem e elas cessam. Digo que nós somos retirados dessas coisas, quando Deus nos chama, separando a alma do corpo. Então deixamos o mundo com seus encantos. E tal separação, nenhuma riqueza e nenhum poder conseguem evitar.
Dessa maneira a alma fraca e cega, que não elevou eu olhar acima da terra, como uma folha vai seguindo a ventania do próprio desordenado amor egoísta por si e pelo mundo. Da sua maldita boca saem, então palavras de inveja contra o próximo e murmuração, com elevada reputação de si. Muitas vezes com ódio e rancor contra o próximo. Muitas vezes, a pessoa se apossa de coisas alheias, com juramentos, perjúrios e falsos testemunho. Chega-se até a desejar a morte do próximo. Tendo o dever de amar todo mundo, a pessoa se transforma num devorador da carne e dos bens do próximo. Inteiramente volátil, poucas vezes completa um ato de virtude começado. A vida foi montada sobre a areia, onde edifício algum pode ser construído, sem logo cair por terra. Tal pessoa não possui a graça divina, perdeu a luz da razão. Caminha como animal, não como ser racional.
Por conveniência e necessidade, precisamos estar alicerçados na rocha viva. As pessoas que nela põem seu pensamento e seu amor não podem ser abaladas nem se deixam abalar por essa ventania maldosa do mundo. Tais pessoas até lhe opõem resistência e se defendem, desprezando o mundo com sua vaidade e seus prazeres. Elas eliminam o orgulho  com grande humildade e desejam a pobreza voluntária. E quem possui riqueza e alta posição social, conserva-as, mas  com amor e santo temor, como despenseiro de Cristo, socorrendo os pobres, ajudando os servidores de Deus, respeitando-os, compreendendo que eles se dedicam à oração com anseios, suores e lágrimas diante de Deus, a favor de todos. Estes vivem felizes sempre e em todas as situações, uma vez que se libertaram da desordem da vontade e do egoismo. Sendo tão importante esse alicerce na rocha, não se deve esperar para consegui-lo, pois desconhecemos o futuro.
As tentações da Carne
A terceira ventania consiste na tentação da carne. Ela espalha um mau cheiro intolerável, não apenas para Deus, mas também para os demônios, tornando a pessoa bestial. Torna-se como os animais, sem vergonha. Como o porco, a pessoa revolve-se na lama, na lama da desonestidade. Em qualquer estado de vida esteja, arruina-se. Se é casada, envenena o amor matrimonial. O que deve fazer com temor de Deus, ela o faz com amor desordenado e pouco honesto. Essas miseráveis pessoas não pensam na grande dignidade a que chegou a própria carne humana na união com Deus em Cristo. Se refletissem, prefeririam morrer e não se entregarem a tão grande baixeza. Sabes a que ponto chega esse mau hálito, que envenena todos os que de tal pessoa se aproximam? O coração da pessoa se torna suspeito, a língua murmura e blasfema, achando que existe nos outros a mesma coisa que existe nela. A pessoa assemelha-se a um doente, que estragou o próprio estômago. Ela acha ruim, como algo estragado, não somente o alimento normal, mas também aquele que o médico lhe prescreveu. E maravilha-se de que uma pessoa sadia, que come seu alimento, não sinta o mesmo sabor que ela sente. Assim os pecadores, que se entregam ao prazer da carne, arruinam a própria sensibilidade e a da comunidade dos que vivem no mesmo vício, e ficam escandalizados relativamente aos justos. Escandalizam-se até do próprio matrimônio, que Deus lhes deu como condescendência à sua frágil enfermidade, a própria esposa. Tendo um coração desordenado, até o amor da esposa lhe faz mal. Ciúmes e suspeitas fazem tais pessoas julgar má uma pessoa reta, e passam a odiar e desprezar o que deveria ser um justo amor. Em tal pessoa há um modo de ver. É seu olho que está doente. Não fosse assim, julgaria de outro modo. Oh! Quantos defeitos e inconvenientes procedem dessa ventania da carne! É algo que corrói por dentro. Como o mau hálito sai da boca, assim a pessoa julga mal a própria esposa. Disso deriva um outro defeito: se por inspiração divina ocorre à pessoa um bom desejo de corrigir-se e de viver bem o matrimônio, o verme da suspeita já penetrou no seu corpo e apaga o perfume da virtude, e sua podridão renasce. O que antes agradava à pessoa, passa a desagradar-lhe. Não tem constância, nem perseverança na virtude. A pessoa volta atrás, não examina o próprio erro e a própria doença (espiritual). E tudo isso sucede porque falta ao pecador  o alicerce na rocha viva ao ser atingido e forçado pela ventania da carne. É preciso que a pessoa se livre do apodrecido alicerce da impureza, fundamentando-se na rocha viva, Cristo. Então, a ventania da carne não a prejudicará. Ao contrário, poderá resistir com a virtude da continência e da pureza, disciplinando a vontade mediante a razão e o desejo santo, dizendo a si mesma: “Envergonha-te minha alma, por enfeares o teu rosto e corromperes teu corpo na impureza. Foste feita à imagem e semelhança de Deus. E tu, carne, foste elevada a uma altíssima dignidade na uniã da natureza divina com a humana (em Cristo) e foste elevada acima de todos os coros dos anjos”. Então a pessoa sentirá o perfume da virtude e o desejo de remediar com a vigília de oração e o conhecimento de si mesma. Ninguém se oponha ao conhecimento de si mesmo, mergulhando a mente em fortes imaginações e movimentos fisicos que ocorreram. O conhecimento de si será uma água que apagará a chma dos movimentos impuros. Que a pessoa não tenha medo de pegar a cruz, nela apoiar-se e navegar com os meios acenados antes, fundamentando-os na rocha viva, com firmeza e perseverança até a morte. Todos percebem que a perseverança é a que obtém a coroa.
Exortação e conclusão
Caríssimo irmão e filho, quero que vos liberteis da falta de perseverança e comeceis a entrar em vós mesmo. Conforme se vê diante de Deus, parece-me que desde algum tempo não pensais em vós mesmos. Tudo isso acontece porque o alicerce não foi bem construído nem fundamentado na rocha viva. Não por outro motivo acontece que os servos de Deus não perseveram; é a falta de perfeitos fundamentos. Como são fracos, desprovidos da virtude da fortaleza e sem a proteção da prática da virtude, ao serem atingidos pelas fortíssimas ventanias do diabo, do mundo e da carne, caem. Por isso, pensando nos remédios para vossas quedas, na necessidade que tendes de tomá-los e de refazer com grande humildade e desapego de vós mesmo o fundamento (da vida espiritual), afirmei que estava desejosa de vos ver como pedra firme, alicerçada na rocha viva que é Jesus Cristo, e não assentada na areia. Espero, na infinita bondade divina, que aceiteis com humildade a procura do conhecimento de vós mesmo e que cumprais a vontade divina e o meu desejo: que recupereis a vida da graça, vos livreis das trevas e tenhais a perfeita iluminação.
Nada mais acrescento. Permanecei no santo e doce amor de Deus. Jesus doce, Jesus amor.

(carta 272) Resumo do livro “O diálogo” Santa Catarina de Siena


(carta 272) Resumo do livro “O diálogo”



Esta carta foi escrita de próprio punho por Santa Catarina em outubro de 1377. Fala de uma impressionante experiência mística, tida pela santa no dia de São Francisco de Assis. É como um resumo de sua obra prima o Diálogo.
Para frei Raimundo de Cápua
Saudação e objetivo
Em nome de Jesus Cristo crucificado e da bondosa Maria, caríssimo e bondoso pai em Jesus Cristo, eu Catarina, serva e escrava dos servos de jesus, vos escrevo no seu precioso sangue, desejosa de vos ver seguidor e amante da verdade, qual verdadeiro filho do crucificado. Ele é a verdade e a flor perfumada na ordem e na hierarquia da santa Igreja, e vós também deveis sê-lo. Ocorre não desanimar e não retroceder por causa das numerosas perseguições. Seria muito louco aquele que desprezasse uma rosa por medo dos espinhos! Quero vos ver como homem forte, sem medo de ninguém. Estou certa de que, pela infinita bondade divina, se realizará este meu desejo.
Necessidade de reforma da Igreja.
Caríssimo pai, revesti-vos de fortaleza na doce esposa de Cristo. Quanto mais ela sofre dificuldades e amarguras, tanto mais a verdade divina promete enchê-la de felicidade e conforto. Sua felicidade será esta: a reforma mediante pastores santos e bons, autênticas flores a dar perfume e glória a Deus pelas virtudes. Essa é a reforma necessária, ou seja, a dos sacerdotes e pastores. A essência dessa esposa não carece de reforma, pois não descrece nem é prejudicada pelos delitos dos ministros. Alegrai-vos, portanto, na amargura! Deus prometeu dar-nos a paz depois da angústia.
Três pedidos a Deus
Tal foi a consolação que recebi ao chegar-me a carta do bondoso papai (2) e a vossa. Sofre muito pelo dano causado à santa Igreja e por causa de vossa tristeza, segundo quanto experimentei dentro de mim no dia de São Francisco. Fiquei feliz, porque me tirastes a preocupação. Tendo lido as cartas e compreendido tudo, pedi a uma serva de Deus (a própria Catarina) que oferecesse lágrimas e suores em favor da santa Igreja e pela doença do papa. Por graça divina, imediatamente cresceram, fora de medida, o desejo santo e a alegria. Aquela serva ficou esperando que amanhecesse para ir à missa, pois era o dia de Maria (3). Chegada a hora da missa, colocou-se no seu lugar, meditando sobre a própria imperfeição e envergonhado-se diante de Deus. Elevada por inflamado anseio, fixou o olhar da fé na verdade eterna e apresentou-lhe quatro pedidos, enquanto se conservava a si mesma e seu diretor espiritual (4) diante da Igreja, esposa de Cristo.
Em primeiro lugar, implorou a reforma da santa Igreja. Então Deus Pai, deixando-se obrigar pelas suas lágrimas e amarrar-se pelo seu desejo, disse: “Minha filha querida, vê como está suja a face da Igreja devido à impureza, egoísmo, orgulho e ganância dos seus ministros.
Derrama lágrimas e suor, hauridos na fonte da minha caridade, e lava-lhe o rosto. Afirmo-te que sua beleza não virá da espada, da violência e da guerra, mas da paz, das orações humildes e contínuas, do suor e das lágrimas, do amor inflamado dos meus servidores. Realizarei teu desejo em grandes sofrimentos, mas nunca vos faltará minha providência”.
Embora tal resposta contivesse a salvação do mundo todo, assim mesmo a oração desceu ao particular e a serva rogou por todo o universo. Então Deus Pai fez-lhe ver o amor com que criara o homem e disse: “Vê como todos me ofendem! Considera, filha, os diversos e numerosos pecados com que me atingem. Sobretudo o infeliz e abominável egoísmo, fonte de todos os males, com o qual envenenaram o mundo todo. Por isso vós, meus servidores, ponde-vos diante de mim, com muita oração. Assim diminuireis a severidade do meu julgamento. Saibas que ninguém pode escapar das minas mãos.
Com o pensamento, olha para minhas mãos”. Em pensamento aquela serva viu o mundo inteiro nas mãos de Deus, que disse: “Deves saber que ninguém escapa de minhas mãos. Por justiça ou por misericórdia, todos estão nelas. Todos os homens me pertencem, todos saíram de mim; amo-os inefavelmente. Usarei de misericórdia graças aos meus servidores”. Então aquela serva sentia-se feliz e ansiosa por causa da chama de amor que aumentava. Mostrava-se grata a Deus. Compreendia que Deus lhe manifestava os pecados dos homens, a fim de que ela se aplicasse com maior empenho e maior amor. De fato, tanto se avolumou a chama sagrada do amor, que nenhum valor atribuía ao suor de água que transpirava, e desejava que seu corpo suasse sangue. Disse ela: “Ó minha alma, perdeste todo o tempo de tua vida! Eis o motivo por que sobrevieram tantos males e danos à santa Igreja e ao mundo, seja em geral como em particular. Por essa razão, quero que remedies agora com suor de sangue”.
A serva, sob o impulso do desejo santo, elevou-se ainda mais e na fé meditava sobre a caridade divina. Ela percebeu e experimentou quanta obrigação temos de procurar a glória e o louvor de Deus mediante a salvação dos homens. Aliás, justamente a isso a verdade eterna vos (5) convida e conclamava em resposta ao terceiro pedido, relativo à vossa salvação. Dizia Deus: “Filha, eu quero que ele procure com todo empenho a própria salvação. Mas isso seria impossível, tanto para ele como para qualquer outra pessoa, sem passar por muitos sofrimentos, conforme eu os permitir. Dize-lhe: “Já que desejas ver-me honrado na santa Igreja, então aceita o sofrimento com amor e paciência”. Será essa a prova de que ele e os demais servidores realmente procuram a minha glória.
Jesus, a ponte para todos
Somente assim ele será um filho caríssimo e repousará sobre o peito de meu Filho unigênito, ponte construída por mim a fim de que todos possais alcançar, experimentar e obter o prêmio pelas fadigas suportadas. Filho, sabeis que a estrada (para o céu) foi interrompida pelo pecado e desobediência de Adão. Ningué mais conseguia atingir a meta; já não se realizava meu plano, segundo o qual criara o homem a minha imagem e semelhança desejoso de que ele alcançasse a vida eterna e participasse e experimentasse minha suma e eterna bondade. Esse pecado deu origem a males e sofrimentos, bem como a um rio cujas as ondas continuamente esbravejam. Para não vos afogardes connstrui uma ponte em meu Filho, pela qual poderíeis passar. Usai vossa fé e vede como do céu a ponte chega à terra. De fato, se tal ponte fosse algo de terreno não possuiria a grandiosidade necessária para transpor o rio e dar-vos a vida. Tal ponte une o céu com a terra. É desse vosso enteresse portanto caminhar por ela procurando a glória do meu nome mediante a salvação dos homens, suportanto numerosas dificuldades na dor, seguindo as pegadas do amoroso e doce Verbo encarnado. Sois meus operários postos a trabalhar na vinha da Santa Igreja, pois desejo ser misericordioso para com o mundo. Cuidai, porém, de não irdes pelo caminho de baixo; não é essa a estrada verdadeira.
Os que vão pelo Rio do pecado
Sabes quais são os que vão por baixo desta ponte? São os iníquos pecadores. Em favor deles eu quero que me implores lágrimas e suor pois jazem nas trevas do pecado mortal. Eles vão pelo rio e se não aceitarem o meu jugo irão para a eterna condenação. Numerosos pecadores por medo do castigo dirigem-se para a margem e abandonam o pecado mortal. Ao sentirem seus males, deixam o rio. Se não forem negligentes, senão adormecerem no egoísmo atingirão a ponte e a ela subirão pelas práticas da virtude. Mas se continuarem no egoísmo e na negligência tudo lhes parecerá difícil.  Sem perseverança qualquer evento contrário os fará retornar ao pecado.
Os que sobem pela ponte
Aquela serva vira as diversas maneiras como os homens se afogavam no rio do pecado; por isso Deus Pai lhe disse:”olha agora os que vão pela ponte de Cristo crucificado”. Ela os viu correr rapidamente pois estavam livres do peso da vontade própria. Eram os verdadeiros filhos. Após desprezar a si mesmos, caminhavam inflamados de desejos santo, unicamente a procura da glória divina e da salvação dos homens. Sobe seus pés corria água do rio do pecado, pois caminhavam pela ponte de Cristo crucificado. Caminhavam sobre espinhos, mas estes não lhes causavam dor. Graças a sua caridade, não se preocupavam com os espinhos das perseguições. Pacientemente abandonavam as riquezas, que (também) são espinhos cruéis e mortais para aqueles que as conservam em desordenado amor; abandonavam-nas como se fossem um veneno. Sua única preocupação era alegrar-se na cruz de Cristo, único valor de suas vidas.
Outros caminhavam (pela ponte) por quê? Porque não procuravam o Cristo crucificado na fé, mas consolações espirituais, atitude esta que torna imperfeito o amor freqüentemente paravam, à semelhança de Pedro antes da paixão, no tempo em que somente se preocupava em gozar da companhia de Cristo. De fato quando lhe foi retirada a consolação Pedro fracassou mas ao fortificar-se no desprezo de si, nada mais quiz a não ser o conhecimento e procura de Cristo crucificado. Também os imperfeitos são fracos e não progridem no desejo santo quando lhe são tiradas as consolações do espírito. Nos sofrimentos, tentações do demônio, atrativos humanos, dificuldades pessoais, sentem-se privados do objeto que amavam e desanimam, abandonam a seqüela de Cristo. Por meio de Cristo eles tencionavam seguir Deus Pais no prazer das consolações, visto que no Pai não acontecem dores; mas somente em Jesus.
Aquela serva compreendia que a fraqueza dos imperfeitos só pode ser corrigida se eles seguirem o fim, dizia lhe Deus Pai: “ninguém pode vir a mim a não ser por meio do meu Filho unigênito. Foi ele que reconstruiu a estrada que deveis percorrer. Ele é o caminho, a verdade, a vida. As pessoas que vão por tal estrada conhecem experimentalmente a verdade, saboreiam o amor inefável por ele vivido nos sofrimentos. Sabes muito bem que, se eu não vos tivesse amado, não teria dado este Redentor. Amei-vos desde a eternidade preparei meu filho Unigênito e o entreguei a uma horrível morte na cruz. Por sua obediência e morte destruiu a desobediência de Adão e a morte da humanidade. É nele que os homens conhecem a verdade a seguem e atingem a vida eterna. Percorrendo os caminhos de Crito, chegam ao portal da verdade, atravessam-no e chegam ao oceano da paz entre os bem aventurados. Como vês, minha filha, os imperfeitos não dispõem de outro meio para se fortalecerem. Somente por este caminho o homem se une a verdade e alcança a perfeição a qual o chamei. Todo outro meio é penoso e insuficiente o que faz o homem sofrer é o egoísmo espiritual ou sensível. Quem é altruísta, não sofre senão ao me ver ofendido por tal forma sob a direção da caridade, a pessoa torna-se prudente e jamais se afasta de minha doce vontade”.
Outros homens começava a subir para a ponte Cristo, mas reconheciam o próprio pecado unicamente por medo dos castigos deles decorrentes. Pelo medo, em si imperfeito, deixavam a vida de pecado. Destes, muitos passavam rapidamente do temor servil ao temor santo e caminhavam esforçadamente para o segundo e terceiro estado; muitos outros porém, sentavam-se negligentemente a entrada da ponte no temor servíl haviam começado a caminhar, mas aos poucos e na tibieza, sem nenhum amor pelo conhecimento da própria miséria e da bondade dívina presente neles. Por esta razão, continuavam na tibieza. A respeito destes últimos disse Deus Pai: “vê, filha querida, como é impossível a estes últimos não voltar atrás pois não praticam as virtudes. O motivo é este: o homem não vive sem amor, e seus eforços no conhecer e amar concentram-se no objeto amado. Se não procuram conhecer-se como encontrarão um modo de entender a grandeza de minha caridade? Ignorando, não amam; não amando, deixam de me servir.  Todavia se não me amam procurarão amar outras coisas; e retornam ao egoísmo! Essas pessoas procedem como o cachorro que come vomita olha para o que rejeitou abocanha-o e engole novamente. São homens negligentes tibios. Haviam se livrado de seus pecados na confissão por medo dos castigos e com pouco esforço tinham começado a trilhar o caminho de Cristo. Sem progredir, retrocedem. Ao se lembrarem dos pecados, não se recordam dos castigos e voltam ao prazer sensível. Perdem o medo, retornam ao pecado, alimentam-se de egoismo e de impureza. Mercem maior repreensão que os demais pecadores. Sou assim maldosamente ofendido pelas minhas criaturas. Por essa razão, filhos caríssimos, peço que não deixeis diminuir o vosso desejo. Que ele cresça e se alimente. Ergam-se meus servidores, aprendam com Cristo a por nos ombros as ovelhas desgarradas e as carregem com muitos sofrimentos, vigilias e preces. Assim, passarão pelo Cristo ponte e serão esposos. Filhos da verdade. Infundirei em vós a sabedoria e a luz da fé; conhecereis perfeitamente a verdade, atingireis a perfeição”.
Bons e maus pastores
Pai bondoso! A bondade e misericórida divina dignou-se revelar-me seus segredos, coisas que a língua humana não pode exprimir. E que ofuscam a inteligência. Minha capacidade de entender fica empobrecida e meu coração angustiado. A uma só voz clamam as minhas faculdades, desejosas de sair deste mundo imperfeito e ir para a meta final, na degustação da suma e eterna Trindade com os cidadãos do céu! Lá, rendem-se glórias e louvores a Deus, refugem as virtudes, bem como o ardor e a caridade dos autênticos pastores e santos religiosos, que foram neste mundo lâmpadas autênticas no candelábro da santa Igreja, e iluminaram o mundo inteiro. Ó Pai, que diferença entre eles e os pastores de nosso dia! sobre estes últimos lamentou-se Deus Pai, dizendo: “os pastores de hoje assemelham-se a mosquitos, afeios os animais que despreocupados, pousam em alimentos doces, cheirosos, e logo depois saem e vão por-se em cima de objetos apodrecidos e asquerosos. Os ministros de hoje, postos a saborear a suavidade do sangue de Cristo, não lhe dão valor. Ao deixar o altar, guardam o corpo de Jesus e os demais sacramentos preciosos cheios de suavidade insubestituíveis fontes de vida para quem os recebe dignamente, mas logo despreocupados, caiem na impureza do corpo e do espirito. É uma maldade vergonhosa, não somente para mim mas até os demônios sentem nojo de tão miseravel pecado”.
Quarto Pedido
Caríssimo Pai! Após ter respondido as três petições, Deus atendeu a quarta, na qual a serva emplora socorro e providência para um caso particular. Dele não posso falar por escrito; contarei de viva voz, se Deus não me der a graça de sair deste corpo antes de encontrar-vos. Nosso corpo possui uma lei, uma lei perversa que continuamente luta contra o espirito. Sabeís que digo a verdade! Seria uma graça se Deus me tirasse do corpo, como dizia, Deus se dignou responder a quarta petição e ao inflamado desejo daquela serva e disse: “Minha filha, a providência jamais faltará para quem a deseja, isto é, para quem espera em mim com perfeição. Refiro-me as pessoas que realmente me imploram no amor e na luz da fé, e não apenas com palavras. Quem me súplica só com palavras: “Senhor, Senhor”, jamais experimentara minha divindade, minha providência. Não os reconheço. Quem me invoca sem virtudes só o reconheço pela justiça e não pela misericórida, afirmo-te pois que minha providência não falha em favor dos que esperam em mim. Quero porém, que te dirijas a mim na paciência. Eu desejo ajudar estas pessoas e todos os que criei a minha imagem e semelhança num grande ato de amor”.
A ilusão dos pecadores
Obedecendo à ordem divina, a serva olhou com fé para o abismo da caridade divina e compreendeu que Deus é bondade. Bondade suma e eterna, que únicamente por amor criou os homens e os remiu no sangue de Cristo, o qual por amor tudo nos dá. Tanto o sofrimento como o prazer, tudo provém do amor divino como providência em prol da salvação dos homens. Disse Deus Pai: “Tudo isso é comprovado pelo sangue derramado por vós. Todavida os pecadores cegos de egoísmo, impacientam-se contra mim. Para próprio prejuízo e dano, interpretam mal e no ódio tudo o que realizo por amor deles, no intuito de livra-los das penas eternas e dar-lhes o céu. Por que se lamentam de mim? Por que odeiam o que deveriam respeitar? Por que emitem juízos sobre os meus ocultos designios, todos eles rétissimos? Assemelham-se aos cegos que pelo tato, gosto e audição, pretende julgar sobre o bem e o mal, baseando-se no seu conhecimento débil e escasso, recuzando-se a opinião de quem encherga. Parecem ainda com um cego louco que pelo tato falaz, não distingue as cores; ou pelo paladar ignora que sobre o alimento andou um animal imundo; ou pelo ouvido não sabe que o cantor pode dar-lhe a morte. Age deste modo quem não tem fé. Ao sentir o prazer oferecido pelo mundo, julga-o coisa ótima; sem perceber que tal prazer constitui apenas uma venda espinhosa e suja para os olhos da fé. O coração de tais pessoas torna-se imsuportável para si mesmas. Esse amor desordenado, este prazer, parecem agradaveis e bons. Dentro deles porém esta o animal imundo do pecado mortal, que sua a alma. Se o homem em tais casos não se purifica mediante a luz da fé, terá morte eterna. O som do egoísmo é melodioso e faz o homem correr atrás da própria sensualidade. Qual cego, o pecador engana-se com o som e, manietado sera levado para o abismo cegos de egoísmo, cheios de presunção os pecadores não me seguem, apesar de ser eu o caminho, o guia, a vida e a luz. Quem anda em mim, não vai ao escuro, nunca erra. Mesmo que não confie em mim desejo a salvação dos pecadores, tudo lhes envio ou permito por amor. Continuamente se revoltam contra mim e eu pacientemente os suporto; amo-os sem ser por eles amados. Impacientes, perseguem-me com ódios murmurações e infidelidades. Seguindo suas cegas opiniões investigam meus ocultos designios, que são justos e amorosos. Não tem alto conhecimento, por isso julgam erradamente. Quem não se conhece também não pode conhecer-me ou ter noção de minha justiça. Filha queres, que te mostre quanto se engana o mundo a respeito dos meus mistérios? Usa tua fé e olha para mim”.
A providência Divina e o caso particular
A serva olhou para Deus cheia de desejos e lhe mostrou a morte daquele homem, pelo qual ela havia implorado, e disse: é bom que eu saibas? para livrar aquele homem da morte eterna, permitiu o que aconteceu. Seu sangue derramado obteve-lhe a vida eterna no sangue de Cristo. Eu me lembrei do respeito e amor que ele tinha pela mãe de Jesus, A dulcissima Maria. Foi por misericórida que permiti o fato, uma crueldade, segundo o falso julgamento humando. Pensam assim, porque o egoísmo lhes apagou a luz da fé; não vêem a verdade. Se afastassem esta nuvem, a conheceriam e amariam; respeitanto o que aconteceu, teriam o prêmio no dia da colheita final. Apesar disso e de outras coisas, meus filhos realizarei vossos desejos com muitos sofrimentos. minha providência agira sobre os pecadores com maior ou menor eficacia, de acordo com sua maior ou menor confiança em mim. Dar-lhe-eis auxílio até em quantidade maior do que merecem, graças aos desejos santos dos meus servidores que me imploram. Acolho as súplicas daqueles que humildimente oram por si e pelos outros. Convido-te pois a implorar meu perdão pelos pecadores e pelo mundo todo. Ó filhos concebei e gerari o homem novo mediante a luta contra o pecado e através de um grande amor”.
Consolações de Catarina
Caríssimo e bondoso Pai! Ao ver e ouvir tanta coisa da verdade eterna parecia que meu coração se partisse em dois. Morro e não consigo morrer. Tende pena desta pobre filha que vive tão contrariada por causa das ofensas cometidas contra Deus e não tem com que se desafogar. Ainda bem que o Espírito Santo achou uma solução no meu íntimo com sua clemência e no exterior mediante a possibilidade de escrevos ver. Confortemo-nos em Cristo Jesus. Sejam os sofrimentos a nossa consolação. Aceitemos entusiasmados, sem negligências o convite divino. Doce pai, alegrai-vos. Sois convidado com tanto amor! Suportai as dores alegremente, com paciência, sem angústia, caso desejeis ser esposo da verdade consolar minha alma. Não há outro modo de receberdes a graça. Eis porque dizia que desejava vos ver “seguidor e amante da verdade”. Nada mais vos digo. Permanecei no santo e doce amor de Deus.
Como Catarina apreende a escrever
Abençoai fr. Mateus em Cristo Jesus. Esta carta e uma outra que vos mandei foram escritas de próprio punho em ilha da Rocca com muitos suspiros e abundância de lágrimas. Meu olho nem mais enchergava. Eu mesma fiquei cheia de admiração, meditando sobre a bondade e a misericórida de Deus para comigo e para com todos na sua providência. Quanto a mim deu me paz, pois encontrava-me sem nenhuma consolação. como não tivesse apreendido a escrever por ignorância minha, Deus providenciou dando me a capacidade de apreender. Assim decendo das alturas poderia desafogar um pouco o coração, evitando que explodisse. Por uma forma adimiravel a maneira do mestre que ensina a criança com o exemplo, Deus imprimiu (a capacidade de escrever) em meu espirito. Logo que partistes, adormecendo, comecei a escrever com o glorioso evangelista João e com Tomás de Aquino. Perdoai-me se escrevi demais. É que a mão e a língua concordam com o coração. Jesus doce Jesus amor.

Três atitudes fundamentais – Santa Catarina de Sena (Deus Pai fala à Santa Catarina)


“Três atitudes fundamentais” – Sta. Catarina de Sena

(Deus Pai fala à Santa Catarina)



24.5 – Três atitudes fundamentais
Desejo de ti três atitudes, a fim de não impedires o aperfeiçoamento a que te chamo e para que o demônio, sob a aparência de virtude, não instile em teu coração a semente da presunção, que poderia levar-te àqueles falsos julgamentos, que te desaconselhei (24.3). Pensando estar na verdade, errarias. Às vezes, o demônio até faz conhecer exatamente a realidade, mas para conduzir depois ao erro. A intenção do maligno é transformar-te em juiz dos pensamentos e intenções dos outros. Mas o julgamento, como disse (24.3), só a mim pertence.
24.5.1 – Não corrigir o próximo
A primeira coisa que te peço, é que retenhas tua opinião e não julgues os outros imprudentemente. Eis como deves agir: Se eu não te manifestar expressamente, não digo uma ou duas vezes, mas diversas vezes, o defeito de uma pessoa, jamais deves fazer referências sobre tal coisa diretamente à pessoa, que julgas possui-lo. Quanto aos que te visitam, corrigirás os defeitos genericamente, mediante conselhos sobre as virtudes, e isso com amor e bondade. Em caso de necessidade, usarás de firmeza, mas com mansidão. No caso de que eu te revele por diversas vezes os defeitos alheios, mas não tiveres certeza de que é uma revelação expressa, não fales diretamente sobre o caso. A fim de evitar a ilusão do demônio, segue o caminho mais seguro. O diabo pode enganar-te sob aparência de caridade, fazendo-te condenar os outros em assuntos não verdadeiros, com escândalo mesmo. Nesses casos, esteja na tua boca o silêncio.
Ao perceberes defeitos nos outros, reconhece-os primeiro em ti com muita humildade. No caso de existir realmente o pecado em alguém, mais facilmente ele corrigir-se-á se for compreendido bondosamente. A correção que não ofende, obrigá-lo-á a emendar-se. Aquela pessoa confirmará quanto querias dizer e tu mesma te sentirás mais segura, impedindo a intervenção do demônio, o qual não conseguirá enganar-te, prejudicando teu aperfeiçoamento. Convence-te de que não deves acreditar em opiniões. Ao escutá-las, atira-as para trás, nas costas; não as leves em consideração. Procura ir examinando apenas tua própria pessoa e minha bondade, tão generosa. Esta é a atitude de quem alcançou o último grau da perfeição e que, como já disse (20.2), sempre retorna ao vale do autoconhecimento. Atitude que, no entanto, não lhe impede o elevado estado de união comigo.
Esta é a primeira coisa que deves praticar, a fim de me servires na verdade.
24.5.2 – Não julgar o interior do homem
Passo a falar da segunda atitude.
Quando estiveres orando diante de mim por alguém e acontecer de perceberes a luz da graça numa pessoa e em outra não, parecendo-te que esta última está envolta em trevas, não deves concluir que a segunda se acha em pecado mortal. Teu julgamento seria muitas vezes errado.
Outras vezes, ao pedires por uma mesma pessoa, de uma feita a verás luminosa e tua alma sentir-se-á fortalecida naquele amor de caridade pelo qual o homem participa do bem do outro; numa outra vez, o espírito daquela pessoa parecerá distante de mim, como que em trevas e pecado, fato que tornará penosa tua oração em seu favor, ao quereres conservá-la diante de mim.
Este último fato pode acontecer, às vezes, devido à presença de pecados naquele por quem oras; mas na maioria dos casos será por outras razões. Fui eu, Deus eterno, que me afastei da pessoa. Conforme expliquei ao tratar dos estados da alma (18.1.2), retiro-me das almas a fim de que elas progridam no meu amor. Embora a alma continue em estado de graça, ausento-me quanto às consolações e deixo o espírito na aridez, tristonho e vazio. Quando alguém ora por tal pessoa, constumo transmitir-lhe esses mesmos sentimentos. Quero que ambos, unidos, se entreajudem no afastamento da nuvem que pesa sobre aquela alma.
Como vês, filha querida, seria iníquo e digno de repreensão, se alguém julgasse que a alma está em pecado mortal somente porque a fiz ver envolta em dificuldades, privada de consolações espirituais que possuía antes. Tu e meus servidores deveis esforçar-vos por conhecer-vos melhor, bem como, por conhecer-me. Quanto a julgamentos semelhantes, deixai-os para mim. A mim, o que me pertence; vós, sede compassivos e desejosos de minha glória e da salvação dos outros homens. Manifestai as virtudes e repreendei os vícios, tanto em vós como nos outros, segundo a maneira como indiquei acima (24.5.1). Desse modo chegareis até mim, após entender e viver a mensagem do meu Filho, a qual consiste na preocupação consigo mesmo, não com os demais. É assim que deveis agir, se pretendeis praticar a virtude desinteressadamente e perseverar na última e perfeitíssima iluminação (24.3), repleta de desejo santo, isto é, de zelo pela minha glória e pela salvação do próximo.
24.5.3 – Respeitar a espiritualidade alheia
Após discorrer sobre as duas primeiras atitudes, ocupo-me da terceira. Quero que prestes muita atenção, a fim de que o demônio e tua fraca inteligência não te façam obrigar outras pessoas a viver como tu vives. Tal ensinamento seria contrário à mensagem do meu Filho.
Ao ver que a maioria das almas segue pela estrada da mortificação, alguém poderia querer orientar todos os outros a seguirem pelo mesmo caminho. Ao notar que uma pessoa não concorda, aquele conselheiro se entristece, fica intimamente contrariado, convencido de que o fulano age mal.
Grande engano! Na realidade está mais certo quem pareceria andar errado, fazendo menos penitência. Pelo menos será mais virtuoso, sem grandes macerações, do que aquele que o fica a criticar. Já te disse (2.9) que devem ser humildes aqueles que se mortificam. Considerem as penitências como meros instrumentos, não como a meta. Normalmente, as murmurações prejudicam o aperfeiçoamento no amor. Quem se penitencia, não seja mau, não ponha sua santidade unicamente no macerar o corpo. O aperfeiçoamento encontra-se na eliminação da vontade própria. A atitude desejável para todos é que submetam a má vontade pessoal à minha vontade, tão amorosa. É isso o que eu desejo. É esse o ensinamento do meu Filho. Quem o seguir estará na verdade.
Não desprezo a penitência. Ela é útil para reprimir o corpo, quando ele se opõe ao espírito. Mas, filha querida, não a deves impor como norma. Nem todos os corpos são iguais, nem todos possuem a mesma resistência física. Um é mais forte que o outro. Como afirmei (2.9), muitas vezes motivos fortuitos aconselham a interrupção de alguma mortificação iniciada. Ora, seria falsa tal afirmação, se a penitência fosse algo de essencial para ti ou para outra pessoa. Se a perfeição estivesse na mortificação, ao deixá-la, julgaríeis estar sem minha presença, cairíeis no tédio, na tristeza, na amargura e na confusão. Deixaríeis o exercício da oração, realizando ao mortificar-vos. Interrompida assim, com tantos inconvenientes, a mortificação nem seria mais agradável ao ser retomada.
Eis o que aconteceria, se a essência da perfeição consistisse na mortificação exterior e não no amor pela virtude. Grande é o mal causado pela mentalidade, que põe na penitência o fundamento da vida espiritual. Tal mentalidade deixa a pessoa sem compreensão para com os outros, murmuradora, desanimada e cheia de angústias. Além disso, todo vosso esforço para honrar-me se basearia em ações finitas, ao passo que exijo de vós um amor infinito. É indispensavel que considereis como elemento básico de vosso aperfeiçoamento a eliminação da vontade própria; submetendo-a a mim, fareis um ato de desejo agradável, inflamado, infinito para minha honra e para a salvação dos homens. Será um ato de desejo santo, que em nada se escandaliza, que em tudo se alegra, qualquer seja a situação que eu permita para vosso proveito.
Não se comportam desse modo os infelizes que seguem por estradas diferentes daquela, reta e suave, ensinada por meu Filho. Comportam-se de outro jeito: julgam os acontecimentos de acordo com a própria cegueira e com o errado ponto de vista; caminham como loucos sem tirar proveito dos bens terrenos nem gozar dos celestes. Como afirmei antes (14.11), já possuem a garantia do inferno.
24.5.4 – Resumo das três atitudes anteriores
Essa é a resposta às tuas perguntas, filha querida, sobre a maneira de corrigir o próximo sem ser enganada pelo demônio e sem conformar-te ao teu fraco modo de pensar. Disse (24.5.1) que deves corrigir o próximo genericamente, sem descer aos casos pessoais. A não ser que eu te revele expressamente a situação de pecado; mas assim mesmo, com muita humildade.
Disse também (24.5.2), e torno a repetir, que jamais deves julgar o próximo, em geral ou em particular, pronunciando-te sobre o estado da sua alma, seja para o bem como para o mal. Expliquei o motivo: o julgamento pessoal é sempre enganador. Tu e os outros servidores meus, deixai para mim todo o julgamento.
Enfim, expus a doutrina relativa ao fundamento verdadeiro da perfeição (24.5.3), o qual deves ensinar a quem te procurar desejoso de abandonar o pecado e praticar a virtude, o autoconhecimento e o conhecimento do meu ser. Ensinarás a tais pessoas, que destruam a vontade própria, que jamais se revoltem contra mim, que considerem a penitência como um meio, não como finalidade principal. Afirmei ainda que não deves aconselhar a mortificação em grau igual para todos, mas de acordo com a capacidade de cada um, em seu estado de vida. A uns pedirás pouco, a outros mais, segundo a capacidade corporal.
Pelo fato de dizer-te que só deves corrigir genericamente, não pretendo afirmar que jamais hás de corrigir pessoalmente. Serás até obrigada a fazê-lo. Quando alguém se obstina em não emendar-se, podes recorrer a duas ou três pessoas (Mt 18, 16); e se isso for inútil, apresenta o caso à jerarquia da santa Igreja. Ensinei que não deves corrigir tomando como norma teu modo pessoal de ver, teu sentimento interior; baseando-te nele, não podes mudar de opinião sobre as pessoas. Sem prova evidente ou revelação expressa, não repreendas ninguém. Tal modo de agir é o mais seguro para ti, pois ele evita que o demônio te engane com aparências de amor fraterno.
Santa Catarina de Sena, “O Diálogo”
Cap. 28.
Paulus, 9ª edição, São Paulo, 2005
pp. 214-219

SANTA CATARINA DE SENA E AS LÁGRIMAS - LIVRO: O DIÁLOGO


CATARINA PEDE EXPLICAÇÕES 
SOBRE AS LÁGRIMAS

(Imagem de Santa Catarina de Sena já muito doente)

Então aquela serva viu-se inflamada de grandíssimo desejo, como que embriagada pela união com Deus e por tudo quanto vira e ouvira, dolorosa ante a maldade das pessoas que não reconhecem o próprio benfeitor divino e sua amorosa bondade. Ao mesmo tempo sentia-se alegre na esperança, por causa da promessa divina que lhe ensinara o modo como ela e os demais servidores alcançariam perdão para o mundo. Desejosa de conhecer mais sobre os estados da alma, sobre os quais Deus lhe falara, elevou seu pensamento à verdade suprema. 

Notara que aqueles estados são percorridos em lágrimas; queria saber quais são as espécies de lágrimas, qual sua natureza, sua origem, suas características. Sabendo que toda verdade das coisas encontra-se em Deus, interrogou-o sobre tudo isso. Nada se conhece em Deus sem a aplicação da inteligência, mas é necessário também o desejo de saber na luz da fé. Ela não se esquecera dos ensinamentos anteriormente dados por Deus e bem saia que não existe outro modo de se instruir sobre as lágrimas, os estados correspondentes e seus frutos. Num ardor imenso, como nunca lhe acontecera antes, sobreelevou-se toda inflamada de amor. Com fé olhou para Deus e nele entendeu o que desejava. A verdade divina manifestou-se a ela e atendeu a seus anseios e pedidos. 

20. 1 - As lágrimas nascem do coração

Então Deus disse àquela serva: - Filha querida, queres que eu te fale sobre as lágrimas e seus frutos. Não vou desprezar o teu pedido. 

Presta bem atenção, que passo a explicar em analogia com os estados da alma descritos acima. 

Há lágrimas imperfeitas, que se fundamentam no temor servil. Em primeiro lugar, as lágrimas de condenação, próprias dos pecadores; em seguida, as lágrimas de medo, encontradas naqueles que deixam o pecado mortal por medo de castigo e choram; em terceiro lugar, as lágrimas de autoconsolação, derramadas pelas almas livres do pecado mortal que começam a servir-Me. Estas últimas também são imperfeitas, pois imperfeito ainda é o amor de onde procedem. 

Lágrimas perfeitas são as que procedem do homem que atingiu a perfeição do amor pelo próximo e que me ama desinteressadamente. Unidas a estas últimas estão as lágrimas de prazer, espirituais, versadas em grande suavidade, como direi mais longamente depois. Há, enfim, as lágrimas de fogo, espirituais, concedidas àqueles que desejam chorar e não conseguem. 

Todas essas lágrimas podem ocorrer numa única pessoa em sua caminhada do temor servil ao amor imperfeito e, depois, do amor perfeito à união. É nessa ordem que passo a falar-te agora. 

Deves saber que toda lágrima nasce do coração. Nenhum membro corporal é tão sensível aos impulsos do coração como os olhos; se o coração sofre, logo eles o revelam. Também quando o sofrimento do coração é causado pelos pecados, os olhos derramam lágrimas, que são de morte. São lágrimas de quem vive longe de Mim, no amor dissoluto. Como o coração Me ofende, sua dor produz morte, gera lágrimas mortais. A gravidade da culpa será maior ou menor, conforme a desordem no amor. Assim, os pecadores choram lágrimas mortais. Delas falarei ainda 

20.2 - As lágrimas de vida

Começo falando das lágrimas que produzem a vida. 

§ 1 - Ao reconhecer os próprios pecados, o homem chora por medo de castigo; são lágrimas fundamentadas no apetite sensível e procedem da dor íntima causada pelo temor da pena. Sofrendo assim o coração, os olhos choram. 

§ 2 - Com a prática das virtudes, a pessoa vai perdendo esse medo. Vê que o medo, em si, não lhe concede a vida eterna - como já ficou dito ao se tratar do segundo estado da alma. Esforça-se, pois, em conhecer-se e conhecer-Me. Aos poucos vai aumentando sua esperança na Minha misericórdia. Arrependimento e esperança alternam-se. Então os olhos choram, com lágrimas a brotar da fonte do coração. Tais lágrimas freqüentemente ainda são de ordem sensível, pois o amor continua imperfeito. Se Me perguntares por que razão, respondo: porque sua raiz é o egoísmo. Não é mais um amor puramente sensível, já superado; é espiritual, mas apegado às consolações espirituais, de cuja imperfeição te falei longamente, ou apegado a alguma criatura. As consolações podem desaparecer por motivos internos ou externos; internos, quando cessa algum conforto concedido por Mim; externos, quando, por exemplo, morre uma pessoa amiga. Desaparecem igualmente pela presença de tentações e dificuldades. Em todos esses casos, a pessoa sofre e o coração, ressentido, chora. 

Será um choro de autocompaixão, causado pelo egoísmo. A vontade própria ainda não morreu; são lágrimas sensíveis de autocompaixão espiritual. 

§ 3 - Prosseguindo na prática das virtudes e em maior autoconhecimento, a pessoa começa a desprezar-se, a tomar consciência amorosamente dos Meus favores, a unir-se a Mim, a conformar-se à Minha vontade. 

Sente, então, alegria e compaixão: alegria interior produzida pela caridade e compaixão pelos outros. Já Me ocupei do assunto ao tratar: do terceiro estado. 

O coração acompanha e os olhos derramam lágrimas por Mim e pelo próximo. Sente tristeza a pessoa ante as ofensas cometidas contra Mim e o prejuízo dos ofensores; já não pensa em si mesma; preocupa-se em louvar-Me, deseja sofrer à semelhança do Cordeiro humilde, paciente e imaculado, do qual fiz uma ponte na maneira explicada.

§ 4 - Ao percorrer a ponte-mensagem do meu Filho, a alma passa pela porta que é Cristo (Jo 10,7). 

Repleta da verdadeira paciência, dispõe-se a tolerar todas as dificuldades que eu Lhe enviar. Aceita-as com virilidade, sem preferências, do modo que vierem. Mais ainda! Como já afirmei, não apenas sofre com paciência, mas com alegria. Considera uma honra padecer por Minha causa; deseja mesmo sofrer. Por tais caminhos, alcança uma satisfação e paz de espírito tais, que as palavras não conseguem exprimir. Vivendo a mensagem do Meu Filho, o homem fixa o pensamento em Mim, conhece-Me, ama-Me; nas pegadas do pensamento que contempla a natureza divina unida à humana em Cristo, a vontade saboreia Minha divindade, repousa em Mim, oceano de paz. No amor, permanece unida a Mim. Mas de tudo isso já tratei ao ocupar-Me do quarto estado da alma. Pois bem, ao experimentar Minha divindade, os olhos derramam lágrimas de suavidade, verdadeiro alimento que nutre a alma na paciência. Qual perfume, estas lágrimas exalam odor de grande suavidade. Como é feliz, filha querida, o homem que ultrapassou o mar proceloso do pecado e chegou ao oceano da paz, o homem que encheu seu coração com a minha divindade. Qual aqueduto, os olhos satisfarão o coração derramando lágrimas. Este é o último estado, no qual o homem é ao mesmo tempo feliz e sofredor. 

Feliz por achar-se unido a Mim, gozando do amor divino; sofredor ao ver que Me ofendem. Age de tal forma por causa do autoconhecimento; foi conhecendo-se e conhecendo-me, que chegou a tal estado. 

Este estado de união, fonte das lágrimas de suavidade, não é prejudicado pelo conhecimento de si, proveniente do amor ao próximo, donde recebeu a lágrima do perdão amoroso de Deus e a tristeza pelos pecados alheios; quando chorou com os que choram e sorriu com os que sorriem (Rm 12,15). Estes últimos são as pessoas que vivem no amor; o perfeitíssimo alegra-se ao vê-los dar-Me glória e louvor. Estas segundas lágrimas do terceiro estado perfeito, são as "lágrimas de união" do quarto estado. Estes dois estados (terceiro e quarto) se completam mutuamente. Se o último pranto, causador da união com Deus, não incluísse o terceiro estado - de amor pelos homens - nem seria perfeito. Necessariamente um estado inclui o outro. Em caso contrário, cair-se-ia na presunção pela sutil preocupação da própria fama; das alturas, o homem cairia para a antiga situação de pecado. 

Diante desse perigo, ocorre amar o próximo sempre com autêntico autoconhecimento; esse esforço aumentará a consciência do meu amor por si mesmo. A caridade para com o próximo deriva desse amor. Com o mesmo amor que se sente amado, o perfeitíssimo ama o outro; percebendo qual é o objetivo do meu amor, ama-o também. Num segundo instante a alma compreende sua incapacidade de ser-me útil, retribuindo-Me o puro amor ("Puro amor", para Catarina, é amar sem ser amado antes, coisa impossível de realizar-se para com Deus, que desde sempre nos amou.) que de Mim recebe. Reage, amando-Me naquele "meio" que vos dei, o próximo; nele todas as virtudes são praticadas. Todas as qualidades que vos dei, destinam-se ao benefício dos outros, em geral e em particular. É vossa obrigação amar com o mesmo puro amor que eu Vos amo. Não sois capazes de praticá-lo para comigo, já que Vos amei antes de ser por vós amado. Meu amor não tem justificação; amo antes. Foi tal dileção que levou a criar-vos a Minha imagem e semelhança. Sim, amor igual não podeis manifestar relativamente a Mim; praticai-o para com os homens. Amando-os sem serdes amados, amando-os sem interesses espirituais e materiais; amando-os unicamente para o louvor do Meu nome; amando-os porque são amados por Mim. É desse modo que cumprireis o mandamento de "amar-Me sobre todas as coisas e ao próximo como a vos mesmos".

A tais alturas não se chega sem atingir o estado de união, que segue o terceiro. Mas seria impossível conservar tal união Comigo, se se abandona aquele amor das lágrimas do terceiro estado, da mesma forma que não é possível cumprir o mandamento de amar-Me sem cumprir o mandamento de amar o próximo. Eles, (os dois amores) são os dois pés que levam a vivência dos mandamentos e dos conselhos dados por Meu Filho crucificado. Estes dois estados (terceiro e quarto) reduzem-se a um e nutrem o homem na prática das virtudes e na união Comigo. Realmente, não se trata de um novo estado; é o terceiro que se aperfeiçoa em novas, numerosas e admiráveis elevações do espírito, conforme expliquei. Dá-se uma compreensão da verdade que, embora realizada na terra, parece celeste. Em tal união, a sensualidade é dominada e a vontade própria morre.

Como é agradável essa união para quem a desfruta; ao experimentá-la, o homem conhece Meus segredos e chega mesmo a profetizar acontecimentos futuros. São coisas que dependem de Mim, e a pessoa interessada não deve dar-lhes grande valor. Explico-Me: valorize, sim, o que realizo; mas evite comprazer-se por apego pessoal. Que a pessoa se julgue indigna de qualquer sossego e tranqüilidade espirituais. A fim de nutrir sua alma, não se julgue um perfeitíssimo, mas desça ao vale do autoconhecimento. Esta volta ao conhecimento de si é uma graça, destinada a iluminar a alma e fazê-la progredir. Durante esta vida, ninguém é tão perfeito que não possa aperfeiçoar-se no amor. Somente meu Filho, que é vossa cabeça (l Cor 11,3), não podia progredir na perfeição, pois Eu e Ele somos um. Por causa da união com a natureza divina, Sua alma era compreensora. (No sentido de que gozava a visão beatífica)

Vós, ainda peregrinos, sempre podeis crescer. Não que atinjais um estado ulterior, pois o estado de união é o último. Por Minha graça podeis aperfeiçoá-lo segundo vosso desejo. 

20.3 - As lágrimas e as fases da vida espiritual

Conforme teu pedido, expliquei-te as espécies de lágrimas com suas características. 

As primeiras são próprias das pessoas que vivem em pecado mortal. As lágrimas brotam do coração; como aqui a fonte está corrompida, o pranto é pecaminoso e mau, bem como todas as demais atividades. 

As segundas lágrimas pertencem àqueles que começam a ter consciência dos próprios males e temem os castigos conseqüentes. Constitui o comum início de conversão, misericordiosamente concedido por Mim aos homens fracos e desorientados que vão se afogando pelo rio do pecado e desprezando a mensagem do Meu Filho. Infelizmente são numerosíssimos os pecadores que conscientes, sem nenhum temor, continuam no pecado. Alguns repentinamente sentem grande descontentamento de si mesmos e passam a considerarem-se dignos de castigos; outros, arrependem-se por terem Me ofendido e com bonomia se põem a servir-Me. De todos eles, certamente têm maior possibilidade de atingir a perfeição aqueles que se convertem com grande ardor; mas esforçando-se todos o conseguirão. Os primeiros terão de preocupar-se em não ficar no temor servil; os segundos, em não cair na tibieza. Trata-se de um acordar geral à santidade. As terceiras lágrimas estão nas pessoas que superaram o temor servil e atingiram o amor e a esperança. 

Percebem que lhes perdoei, sentem favores e consolações. Para concordar com o coração, choram. Como são imperfeitas, conforme expliquei, trata-se de um pranto ao mesmo tempo sensível e espiritual. 

As quartas lágrimas acontecem com a prática das virtudes. Crescendo o desejo da alma, a pessoa se une e se conforma à Minha vontade; quer o que Eu quero, ama profundamente o próximo. É um pranto de amor por Mim e de dor pelos pecados e prejuízos sofridos pelo próximo. 

As quintas lágrimas, próprias da última perfeição, completam as anteriores. Em união com a verdade eterna, estes progridem muito no desejo santo. 

Por esse motivo, o demônio os teme e não consegue prejudicar-lhes a alma, seja com ofensas, pois são pacientes na caridade, seja com atrativos espirituais e materiais, por eles humildemente desprezados. 

Na verdade, o demônio não dorme jamais. Nisto ele até vos dá lições, vós que sois negligentes e dormis no tempo da messe. 

Mas sua vigilância não consegue prejudicar as pessoas que se acham no estado de união, pois ele não tolera o ardor da caridade e a união da alma Comigo. Quem vive em Mim, não pode ser enganado. O diabo evita os perfeitíssimos como o mosquito se afasta da panela que ferve, por medo do calor. Quando a panela se acha fria, o mosquito se engana e cai dentro, encontrando às vezes mais calor do que percebia. O mesmo acontece com os homens. Antes que eles cheguem à perfeição, o demônio os julga frios e atormenta com muitas tentações. Mas se neles houver um pouquinho de entendimento, de fervor e de desprezo pelo pecado, a vontade não consentirá. Alegrem-se aqueles que sofrem; esse é o caminho para se ir até o estado de união.

Já afirmei que o meio de se conquistar a perfeição está no conhecer-se e no conhecer-Me. Ora, se eu estiver na alma, não há ocasião mais oportuna para conhecer-se do que no tempo das contradições. Em que sentido? Vou explicar. 

Nas dificuldades, o homem tem mais consciência das próprias forças; compreende que somente conseguirá resistir e libertar-se das tentações se sua vontade for reta; vê que de si mesmo nada é, pois em caso contrário afastaria as tentações indesejáveis. O autoconhecimento, portanto, conduz à humildade e faz recorrer a Mim, Deus eterno, mediante a fé. A pessoa compreende que somente Eu dou a vontade reta, que não consente nas tentações e evita as insinuações más. 

Estais certos quando procurais vos fortalecer mediante a mensagem do Meu Filho, o amoroso Verbo encarnado, durante as provações, sofrimentos, adversidades e tentações. Tal atitude aumenta vossa virtude e vos ajuda a chegar à perfeição. 

20.4 - As lágrimas de fogo

Falei sobre as lágrimas imperfeitas e perfeitas, dizendo que brotam do coração. Qualquer que seja o motivo pelo qual se chore, é do coração que todas as lágrimas nascem. Neste sentido, indistintamente podem ser chamadas "lágrimas cordiais". A diferença entre elas encontra-se na qualidade do amor, bom ou mau, perfeito ou imperfeito. Falta-Me responder sobre o caso daqueles que, desejosos de possuir a perfeição das lágrimas, não conseguem chorar. Existe alguma lágrima que não saia dos olhos? 

Sim, existe um pranto de fogo, procedente do desejo santo e que faz consumar-se no amor por Mim. Há pessoas que gostariam de chorar na renúncia de si mesmas e no desejo de salvar os outros, mas não conseguem. Relativamente a tais pessoas, afirmo que já possuem a lágrima de fogo, com que chora o Espírito Santo. Sem lágrimas exteriores, elas Me oferecem as aspirações da vontade que deseja chorar. Aliás, se prestares atenção, verás que o Espírito Santo chora em cada servidor Meu que possui o desejo santo e faz orações contínuas e humildes na Minha presença. Ao que parece, foi quanto pretendia afirmar o glorioso apóstolo Paulo, ao dizer que o Espírito Santo chora em Mim "com gemidos inenarráveis" (Rm 8,26), a vosso favor. 

O fruto da lágrima de fogo não é menor que o das demais. Muitas vezes, até maior, dependendo da intensidade do amor. Ninguém deve perturbar-se, pois, e julgar-se distante de Mim, só porque não derrama as lágrimas que deseja. Ao desejar lágrimas, ocorre conformar-se à Minha vontade, humilhar-se diante do "sim" e do "não" por Mim pronunciados. Às vezes, deixo uma pessoa sem lágrimas, a fim de que permaneça numa atitude humilde, em oração contínua, desejosa de chegar a Mim. Almas existem que, se conseguissem o que almejam, nem tirariam proveito; sentir-se-iam satisfeitas com a obtenção das lágrimas desejadas e cairiam no egoísmo. É para vosso crescimento que não dou lágrimas exteriores, mas unicamente as do espírito, as do coração, inflamadas na chama da divina caridade. Em todo estado de vida e ocasião, tais pessoas podem agradar-Me. A menos que seu espírito se afaste de Mim por falta de fé e amor. Sou o médico, vós sois os doentes; dou a todos o que é necessário para a salvação e o crescimento de vossas almas. 

20.5 - As lágrimas são infinitas

Conforme acabo de explicar, filha querida, essa é a doutrina sobre as cinco lágrimas. Afoga-te, pois, no sangue de Cristo crucificado, o Cordeiro humilde, sofredor e puro. Esforça-te por crescer nas virtudes, aumenta em ti a chama da Minha caridade. Os cinco tipos de lágrimas são como que canais: quatro deles derramam infinitas espécies de lágrimas, as quais produzem a vida se forem usadas de acordo com a virtude. Infinitas, repito, não no sentido de que tenhais de chorar sem fim nesta vida, mas relativamente ao desejo da alma. Já afirmei que a lágrima brota do coração. É ele que a recolhe no desejo santo e oferece aos olhos. 

Como a madeira verde atirada ao fogo; por causa do calor, sua umidade ferve, geme. Com a madeira seca não acontece assim. Igualmente sucede com o coração, quando a graça divina o renova, destruindo a sequidão do egoísmo que enrijece a alma. Amor e lágrimas unem-se no desejo santo. Mas este último, durante esta vida, não tem limites. Quanto mais o homem ama menos acredita estar amando. Dessa forma: o desejo ulterior de amar provoca o pranto. 

Quando a alma se separa do corpo e chega até Mim, seu fim último, não deixa o desejo santo; continua a querer-Me e a amar o próximo. A caridade penetrou em si como rainha, levando consigo o merecimento de todas as virtudes. Como já disse, cessa todo sofrimento; ao desejar-Me, a alma Me possui, sem temor de vir a perder o que tanto sonhara. Todavia suas aspirações crescem: ao desejar, é atendida; e ao ser atendida deseja mais, sem ameaça de qualquer fastio. Nem sofre ao desejar ainda. A perfeição é total. 

É desse modo que vosso desejo é infinito. Nem poderia ser diferentemente. Se Me servísseis apenas com atitudes finitas, nenhuma virtude vossa alcançaria a vida. Sou o Deus infinito e quero serviço infinito de vossa parte. Mas de infinito só tendes o desejo da alma. Por isso dizia antes que as lágrimas são infinitas; infinitas, por estarem associadas ao desejo santo, infinito.

Depois da morte, a lágrima sensível não acompanha o homem. Mas ele leva consigo os merecimentos do pranto terreno e os consome. Sucede tal como a água que se atira numa fornalha; ela não fica de lado, mas é pelo fogo absorvida e vaporizada. Sim, é quanto acontece com o homem que chega ao céu, para experimentar o fogo da caridade divina, cheio de amor na união Comigo e o próximo, causa de suas lágrimas. Ele não pára de Me oferecer suas aspirações, felizes e lacrimosas; só que não serão mais lágrimas dos olhos, mas lágrimas de fogo do Espírito Santo. 

20.6 - Frutos das cinco lágrimas

Compreendeste agora como as lágrimas são infinitas. Mesmo durante esta vida há tantas maneiras de chorar no estado da união, que tua língua é insuficiente para declará-las. Depois de explicar-te como são as lágrimas nos quatro estados da vida espiritual, falta-Me discorrer sobre os frutos que elas e o desejo santo produzem. 

20.6. 1 - Efeitos das lágrimas de condenação

Começo por aquela lágrima, a que Me referi no começo, a lágrima dos homens que vivem pecaminosamente no mundo, que consideram seu deus as pessoas, as coisas, a própria sensualidade. Essa atitude é para eles a fonte de todos os males na alma e no corpo. 

Disse acima que as lágrimas nascem do coração. De fato, o coração chora de acordo com seu amor. 

O pecador, por exemplo, chora quando o coração sofre com a perda de um objeto amado. Suas lágrimas são numerosíssimas, conforme a variedade do amor. Achando-se corrompida a raiz interior, que é o egoísmo, tudo nasce corrompido. É como uma árvore, cujos frutos fossem venenosos, as flores pobres, as folhas manchadas e os ramos voltados para o chão, vergastados pelos ventos. Tal é a árvore interior dos pecadores. Vós, porém, deveis ser árvores de amor. Por amor vos criei, sem amor não podeis viver. O homem virtuoso planta sua árvore no vale da humildade; o orgulhoso, na montanha da soberba. Mal plantada, a árvore deste último só produz frutos mortais. 

§ 1 - As más ações 

Frutos desta árvore são as más ações, carregadas de veneno por muitos e diferentes pecados. Mesmo quando o pecador pratica uma boa ação, não merece para a vida eterna, uma vez que a raiz do egoísmo prejudica tudo. Sua alma, em pecado mortal, não possui a graça. 

Mesmo assim, o homem pecador não deve deixar de praticar o bem, pois toda boa obra terá sua recompensa. A boa ação praticada em pecado mortal não merece o céu, mas é paga por Minha justiça. Às vezes, darei bens materiais; outras vezes, como já disse antes ao tratar deste assunto, dou uma vida mais longa para que possa o pecador emendar-se; outras ainda, concedo a vida da graça pelos merecimentos de algum Meu servidor. Foi o que fiz no glorioso apóstolo Paulo, que abandonou a infidelidade e as perseguições ao cristianismo devido às preces de santo Estêvão (At 7,60). Como vês, qualquer que seja seu estado de vida, ninguém deve deixar de fazer o bem. 

§ 2 - Os sentimentos maus 

Dizia que as folhas desta árvore de morte são podres. Referia-Me aos maus sentimentos do coração. Tais sentimentos internos ofendem-Me e levam a pessoa ao ódio e desprezo pelos outros. Qual ladrão, o pecador rouba-Me a honra, para atribuí-la a si mesmo. São flores apodrecidas, causadoras de náusea pelas duas espécies de julgamento que causam. Primeiro, a Meu respeito. O homem pecador pronuncia-se iniquamente sobre Meus ocultos juízos e mistérios; despreza tudo quanto realizei por amor; nega quanto revelei em Meu Filho; destrói os meios por Mim oferecidos para se alcançar a vida. Tais pessoas tudo julgam e condenam em sintonia com seu parecer enfermiço. O egoísmo cegou-lhes a inteligência, vendou o olhar da fé, impediu-lhes de reconhecer a verdade. Segundo, relativamente ao próximo. Uma fonte de numerosos males. Sem autoconhecimento, o infeliz pecador pretende pronunciar-se sobre o segredo íntimo dos outros. Baseado em comportamentos exteriores, julga os sentimentos do coração. Meus servidores julgam sempre retamente, pois fundamentam-se na Minha bondade; os pecadores, sempre mal, alicerçados que estão na maldade. De seus juízos nascem muitas vezes o ódio, homicídios, desprezo pelos demais, distanciamento de Meus servidores devido ao seu amor pela virtude. 

§ 3 - As más palavras 

Aos poucos vão aparecendo as folhas, que são as palavras: os pronunciamentos ofensivos a Mim, ao sangue de Meu Filho, prejudiciais aos outros homens. A preocupação dos pecadores é falar mal, blasfemar contra Minhas obras, murmurar contra todo mundo. Consideram como realidade tudo o que seu julgamento sugere. Pobre infelizes, não sabem que a língua foi feita unicamente para Me louvar, para a confissão dos pecados, para a promoção da virtude na salvação dos homens. 

Folhas manchadas pela culpa! Tudo isso, porque está sujo o coração donde nascem; cheio de duplicidade e mal. Além de prejudicar o homem com a perda da graça, as palavras suscitam desavenças na vida social. Já ouviste falar que, devido às palavras, aconteceram revoltas nos estados, ruína de cidades, homicídios e muitos outros males. A palavra pronunciada penetra fundo no coração do homem a quem é dirigida, atinge regiões que nenhum punhal alcança. 

§ 4 - Os vícios capitais 

A árvore de morte possui sete galhos, inclinados para a terra, que produzem flores e folhas. São os sete vícios capitais, responsáveis por numerosos e diferentes pecados, todos eles enraizados no egoísmo e no orgulho. Os frutos são as más ações. Esses galhos - os vícios capitais - inclinam-se para a terra, enquanto tendem unicamente para a frágil e desordenada realidade deste mundo. Inclinam-se para nutrirem-se, incansavelmente, da terra. Os pecadores são insaciáveis e insuportáveis a si mesmos, sempre inquietos a procurar justamente o que não os pode saciar. O motivo por que são insaciáveis é o seguinte: Como pecadores, desejam só as realidades finitas, ao passo que eles, no que se refere ao ser, são infinitos, isto é, jamais deixarão de existir. No máximo perderão a vida da graça por causa do pecado mortal. O homem é maior que as realidades criadas, não vice-versa. Somente estará satisfeito, quando atingir um bem superior a si. Como somente Eu sou maior que o homem, disto decorre que somente Eu, Deus eterno, consigo saciá-lo. Separado de Mim pelo pecado, o homem vive perenemente atormentado e sofredor. 

§ 5 - Os vendavais da vida 

Ao sofrimento segue o pranto; sobrevêm então os vendavais que açoitam esta árvore de quem ama a sensualidade como razão da própria vida. Os vendavais são quatro: da prosperidade, da adversidade, do temor servil e do remorso. 

prosperidade material alimenta o orgulho, a presunção; leva o pecador a valorizar-se excessivamente e a desprezar os outros. Se for patrão, oprimirá o súdito com muitas injustiças. A prosperidade é ainda causa de vaidade pessoal, de impureza do corpo e do espírito, de desejo de fama, e de muitos outros defeitos. Tua linguagem nem seria capaz de enumerá-los. Seria, então, má em si mesma a riqueza? Não, assim como as outras três realidades de que falo. O que está apodrecido é a raiz da árvore, ruína de todo o resto. Eu, autor de todos os acontecimentos, sou imensamente bom! À prosperidade material pode sobrevir o choro, quando o coração, insaciável, não realiza seus desejos; ante essa impotência, o pecador sofre e chora porque as lágrimas, como disse, nascem do coração. 

Segue-se o vendaval do temor servil. Quando um homem tem medo de perder quanto ama, até sua sombra causa-lhe temor. Por exemplo, o medo de morrer, de perder um dos filhos ou qualquer outra pessoa, o medo de ser humilhado, de decair na posição social, de perder a boa fama, a riqueza. Semelhantes temores não permitem ao homem nem conservar em tranqüilidade os bens que possui desordenadamente. Escravo de suas posses, o pecador vive temendo; e como o pecado é privação, a pessoa termina no nada. 

Além do medo, os pecadores costumam sofrer adversidades, quais sejam perdas de bens em geral e em particular. Em geral, por ocasião da morte; em particular, pela privação de uma coisa ou outra: saúde, filhos, riquezas, posição social, honras. Tais perdas acontecem quando eu, médico bondoso, julgo proveitoso permiti-ias, da mesma forma como concedera aqueles bens antes. 

Por terem o coração corrompido, muitos pecadores impacientam-se, sem procurar compreender. Surgem os protestos, a murmuração, o ódio, o desprezo por Mim e pelos outros. Consideram mal aquilo que Eu dera como bem; apenas lhes conta a dor pelo objeto amado. Diante disso, o pecador costuma cair num pranto angustiado e impaciente, que lhe arruína e mata a alma, privando-a a vida da graça; um choro que cega a pessoa, corporal e espiritualmente: que lhe retira toda alegria, toda esperança. Chora o pecador, porque privado daquilo que constituía seu prazer e o objeto de sua afeição, de sua esperança, de sua fé. Além da lágrima, há outras causas desses grandes inconvenientes; são a afeição desordenada e a angústia do coração, donde a lágrima procede. De fato, não é a lágrima exterior que causa a morte espiritual e o sofrimento, mas sim a raiz donde ela nasce, isto é, o egoísmo do coração desregrado. Quando o coração é bom e possui a graça, o pranto também é santo e alcança de Mim a misericórdia. Dei o nome de "lágrima de condenação" a este pranto, porque manifesta que o coração está morto. 

Disse acima que existe também o vendaval do remorso! Como Sou bondoso, sirvo-Me da prosperidade material para atrair amorosamente os homens; do temor servil, a fim de que orientem o coração para a prática das virtudes; da adversidade, para que o homem tome consciência da fragilidade e incerteza das realidades deste mundo. Acontece, porém, que para alguns todos esses meios não produzem efeito; dado que os amo demais, envio então o remorso da consciência. Quero que confessem seus pecados no sacramento da penitência! Quando se obstinam no mal e recusam tal graça, os pecadores acabam na reprovação. Iludem as reprovações da própria consciência, distraem-se com prazeres ilícitos, ofendem a Mim e ao próximo. Com a raiz da árvore apodrecida, tudo secou e a pessoa recai na tristeza íntima, entre lágrimas e angústias. Não havendo conversão enquanto para isso dispõem da liberdade, tais pessoas passarão do pranto da terra para o choro do inferno. Então o finito se mudará em infinito, pois a causa deste último pranto é o ódio infinito pelo bem, em que se fundamentara o pecador. 

Os réprobos do inferno, se quisessem, teriam escapado da perdição durante esta vida, através do Meu perdão. Eram livres, mesmo tendo-se dito que seu ódio pelo bem era infinito. A infinitude não se refere à intensidade do amor ou do ódio, mas à duração no tempo. Enquanto estais neste mundo, sois livres de amar ou odiar como quereis; quem encerra esta vida no amor, terá um bem infinito e quem a terminar no ódio, encontrar-se-á num mal interminável, na condenação eterna. Desta já Me ocupei ao tratar daqueles que vão afogando-se pelo rio do pecado. Longe da Minha misericórdia e do amor dos homens, já não poderão querer o bem. 

Os bem-aventurados, ao contrário, gozam da Minha misericórdia, amam-se mutuamente e têm o vosso amor de caminhantes desta vida. Aliás, foi para que também vós venhas a Mim que vos coloquei no mundo. Para os condenados de nada servem vossas esmolas e boas obras. São membros separados do corpo que eu constituí na caridade. Recusaram obedecer aos santos preceitos da hierarquia, de quem recebeis nesta vida o sangue do Cordeiro imaculado. Condenaram-se, assim, eternamente em choro e ranger de dentes (Mt 8,12), quais mártires do demônio. Ali recebem do demônio os frutos que para si recolheram. Desse modo, as lágrimas de condenação fazem sofrer nesta vida e dão a companhia interminável dos demônios na outra. 

20.6.2 - Efeitos das lágrimas de temor

Passo a falar dos frutos colhidos por aqueles que, por medo dos castigos, abandonam o pecado para viver em estado de graça. São numerosos os que, pelo temor da pena, param de pecar. É o acordar geral, de que falei. Quais são os efeitos em tais pessoas?

O medo de ser castigado age sobre o livre arbítrio e este procede à limpeza da casa da alma. Tendo-se purificado (na confissão) o homem sente paz em sua consciência, põe ordem nas suas afeições, abre a inteligência para o autoconhecimento. Antes de tal purificação, a inteligência apenas pensava nos pecados; surgem agora as primeiras consolações espirituais. Livre dos remorsos, a alma espera o alimento das virtudes. Acontece-lhe como para o doente após a cura: volta-lhe o apetite. Tocará à vontade preparar-lhe o alimento espiritual. 

20.6.3 - Efeitos das lágrimas de autocompaixão

Livre do medo dos castigos, a alma colhe as segundas lágrimas de vida, com as quais busca o amor e a prática das virtudes. Embora ainda seja imperfeita, a pessoa já não teme; como verdade suma, Eu lhe dou consolações e amor. Por causa de tal consolação e amor, ama-Me docemente a Mim e as demais pessoas. A vivência desse amor na alma purificada pelo temor servil infunde numerosas e variadas consolações. Se perseverar, chegará a sentar-se à mesa do Crucificado, passando do medo ao amor. 

20.6.4 - Efeitos das lágrimas de amor

(Santa Catarina de Sena recebendo os estigmas)

 Ao chegar às terceiras lágrimas de vida, o homem se põe à mesa da santa cruz, nela saboreando o amoroso Verbo encarnado. Meu Filho deseja Minha honra e vossa salvação; por isso, Seu coração foi aberto e se fez vosso alimento. Nesta "mesa" o homem começa a alimentar-se do desejo da Minha glória e da salvação dos homens, bem como a renunciar a si mesmo e ao pecado.

Que frutos recolhe o homem destas lágrimas do terceiro estado? São os seguintes: grandes forças em dominar a sensualidade, verdadeira humildade, muita paciência. 

Esta paciência vence toda oposição e liberta o homem dos sofrimentos. Quem faz sofrer é a vontade própria, que é destruída pela renúncia a si mesmo. A paciência domina a sensualidade, que se revolta diante das ofensas, perseguições, ausência de consolações espirituais e sensíveis, tornando o homem sofrido. Com a morte da vontade própria, a pessoa experimenta os frutos da paciência em desejo amoroso e lacrimejante. 

Um fruto suavíssimo, como és agradável a quem te possui! Como tu Me agradas! Quem te possui é feliz mesmo na amargura. Nas injúrias, vive em paz. Ao navegar por mares procelosos, quando perigosas ventanias erguem terríveis ondas contra a barquinha da alma, tu vais tranqüila e serena sem danos. Minha vontade eterna te protege, pois te revestiu com a couraça da caridade e impede que a água do pecado penetre em ti! 

Filha querida, a paciência é uma rainha encastelada numa fortaleza de rocha; vence e jamais é vencida. Nunca está sozinha, pois a constância lhe faz companhia! Ela é o cerne da caridade, é o sinal de que alguém possui a veste nupcial do amor. De fato, logo que tal "veste" é rasgada, o homem se torna impaciente. Todas as virtudes podem ser falsificadas, parecendo verdadeiras sem o ser diante de Mim. A paciência, aliás, mostra quando uma virtude é viva e verdadeira, enquanto o homem impaciente manifesta a imperfeição dos seus atos, revelando que ainda não se assentou à mesa de cruz. E junto à cruz que se adquire a paciência; quem se conhece e me conhece, conseguirá praticá-la depois com desejo santo e humildade. O homem paciente nunca deixa de Me honrar e de trabalhar pela salvação dos outros, dedicando a isso o próprio tempo.

Ó filha querida, a paciência encontrava-se nos mártires, que mediante os sofrimentos salvaram outros; suas mortes foram fonte de vida, ressuscitando mortos e expulsando as trevas do pecado mortal. Na força desta virtude rainha, eles venceram o mundo com seus atrativos; com seus recursos, os poderosos não conseguiram derrotá-los. A paciência é uma lâmpada sobre o candelabro. 

Tal é o fruto produzido pela "lágrima de amor", na pessoa que conseguiu sentar-se à mesa do Crucificado, cheio de desejo santo e com intolerável dor pelas ofensas cometidas contra Mim, seu Criador. Mas não é uma dor angustiante. A angústia já cessara, quando o amor paciente destruiu o temor servil e o egoísmo, únicos fatores que fazem sofrer. A dor sentida é uma dor que conforta, pois nasce da caridade e é causada pelo conhecimento de pecados contra Mim e de danos sofridos pelos pecadores. E um sentimento que brota do amor e enriquece o homem; algo que alegra, algo que revela Minha presença na graça. 

20.6.5 - Efeitos das lágrimas de união

Tendo-Me ocupado sobre os frutos das terceiras lágrimas de vida, resta-Me o quarto e último estado, o da união. Este, como já disse, não existe como que separado do anterior. Ambos coexistem, como acontece com o amor pelo próximo e o amor por Mim; um reforça o outro. Neste quarto estado, aumenta tanto a caridade, que o homem não somente suporta as dificuldades pacientemente, mas deseja-as com alegria, como ficou explicado acima. Desejoso de configurar-se a Cristo crucificado, renuncia a toda satisfação pessoal, de qualquer tipo que seja. 

Fruto desta lágrima de união é a quietude do espírito, uma comunhão contínua Comigo em grande prazer. Qual criança no colo da mãe, com a boca colada ao seio sugando o leite, assim a alma, neste estado, descansa no seio do Meu amor e, pelo desejo santo, alimenta-se do Crucificado pelos Seus exemplos e mensagens. Durante o terceiro estado a alma aprendera que não devia fixar-se unicamente em Mim, Pai eterno, porque em Mim não há sofrimento; que devia imitar Meu Filho, o doce e amoroso Verbo encarnado.

Vós não deveis viver sem a dor; é tolerando muita dificuldade que atingis o aprimoramento da virtude. Esse aprimoramento é alcançado no Coração de Cristo, sede do amor. É ali que as almas buscam a força da graça, experimentando a divindade. Antes disso, as virtudes não possuem suavidade; ela chega com a união no Meu amor, ou seja, quando o homem deixa de preocupar-se com os próprios interesses, visando apenas Minha glória e salvação alheia. Filha querida, como é agradável e grandioso este estado da alma! Nele o homem se une muito estreitamente ao amor divino. Como está a boca da criança para o seio materno, e o seio materno para o leite que sustenta, assim está a alma para com Cristo crucificado e para Comigo, onde acha o alimento da divindade. Oxalá se entendesse como aqui as faculdades se enriquecem. A memória lembra-se de Mim permanentemente, atenta aos Meus benefícios; mas ela se fixa menos sobre os benefícios, do que no amor com que os dei. De maneira particular a memória considera o dom da criação, pelo qual o homem surgiu do nada à Minha imagem e semelhança. Quando estava no primeiro estado, a consciência de tal favor levara a alma a reconhecer a ingratidão em que vivia e a abandonar o pecado por graça do sangue de Cristo. Em tal sangue Eu vos recriei, Eu vos lavei da lepra do mal. Ao passar para o segundo estado a alma recebera grande consolação no amor, bem como o desgosto pela culpa com que Me ofendera, pois foi por esse motivo que fiz sofrer Meu Filho. Continuando, a memória se lembra da efusão do Espírito Santo, que a iluminara - e ilumina ainda - na verdade. Quando isso aconteceu? Após ter reconhecido os dons divinos concedidos durante o primeiro e segundo estados. É no terceiro que se dá a iluminação completa, mediante a qual vê que por amor criei o homem no intuito de dar-lhe a vida eterna. Revelei-vos tal verdade no sangue de Cristo. Consciente disso tudo, o homem ama-Me, gostando do que Eu gosto, desprezando o que desprezo. Descobre assim no próximo o "meio" para amar. É no coração de Cristo que a memória supera toda imperfeição e enche-se da recordação dos Meus favores. Com a perfeita iluminação, a inteligência perscruta tudo o que a memória retém, conhecendo a verdade. Uma vez superada a cegueira do egoísmo, ela contempla o sol que é Cristo crucificado e O reconhece como Deus e Homem. Por ocasião da união Comigo, recebera uma ulterior iluminação infusa, dom gratuito Meu, que não desprezo os ardentes desejos e esforços da alma. A vontade segue a inteligência, une-se à sabedoria infusa com um amor perfeitíssimo, muito ardente. Se Me perguntassem o que aconteceu numa pessoa assim, eu responderia: tornou-se um outro eu na caridade! 

Que língua seria capaz de narrar a excelência deste último estado - a união -, e descrever os efeitos produzidos nas três faculdades humanas, inteiramente realizadas? Aqui acontece aquela "unificação" das faculdades por Mim mencionadas ao falar dos três graus (gerais), comentando uma expressão bíblica. Não, a linguagem humana não é capaz de a descrever! Dela falaram os santos doutores, quando a iluminação infusa os fez explicar a Sagrada Escritura. São Tomás de Aquino, por exemplo, adquiriu sua sabedoria mais na oração, no êxtase e na iluminação da mente do que no estudo humano. Foi uma lâmpada por Mim colocada na hierarquia da santa Igreja a dissipar as trevas do erro. São João evangelista, quanta luz recebeu ao reclinar-se sobre o peito de Cristo (Jo 13,25). Com essa luz desde então, e durante muitos anos, pregou o evangelho. E se considerares um por um os santos doutores, todos eles revelaram tal luz, cada um a seu modo. Mas ser-te-ia impossível descrever o sentimento profundo, a suavidade inefável, a perfeita comunhão!

É a isto que Paulo se referia quando afirmava: "Os olhos não podem ver, nem os ouvidos escutar, nem a mente pensar quão grande prazer e que perfeição estão preparados, no final, para aquele que realmente me serve" (1Cor 2,9). Como é agradável, acima de todo outro prazer, a permanência do homem em Mim pelo amor! A vontade própria já não põe empecilhos, pois se tornou uma coisa Comigo. Essa pessoa espalha seu perfume pelo mundo inteiro, qual efeito de suas orações contínuas e humildes. É o perfume do amor, a clamar pelos irmãos diante de Minha divina majestade na voz do próprio silêncio! 

São esses os frutos da união nesta vida, entre lágrimas e suores, no último estado da vida espiritual. 

Se a pessoa perseverar, passará, um dia, dessa união imperfeita como união, mas perfeita quanto à graça, à perfeita união celeste. Enquanto se encontra no corpo, o homem não atinge tudo o que deseja; estará preso a uma "lei perversa", cuja força as virtudes adormecem, mas não destroem. Essa lei poderá até acordar, caso seja retirado o controle que a mantém dormindo. Eis a razão por que disse que a união presente é "imperfeita". Mas é ela que conduz a pessoa à vida eterna, à vida impossível de se perder, como já disse ao falar dos bem-aventurados, junto aos quais o homem gozará da comunhão Comigo na vida sem fim. As almas que forem para o céu, terão a vida eterna; os demais terão a condenação como punição de seu pranto pecaminoso. 

Os primeiros, dos sofrimentos desta vida passarão à alegria; a vida eterna será a recompensa de suas lágrimas de amor. No céu, como já afirmei, continuarão a oferecer-Me lágrimas de fogo em vosso favor. 

Concluo assim Minhas palavras sobre as lágrimas, suas qualidades e seus efeitos. Umas conduzem os perfeitos ao céu, outras levam os maus à perdição!