O Caminho da Santidade
O mais importante é fazer a Vontade de Deus, nos diz Santo Afonso de Ligório, e nos revela que toda perfeição ou santidade consiste no amor a Deus, entretanto, toda a perfeição do amor consiste em conformar nossa vontade a Sua vontade , porque no dizer de São Basílio, “o efeito principal do amor é: unir as vontades dos que se amam de maneira que tenham uma só vontade”. Não há dúvida que agradam a Deus nossos sacrifícios, renúncias e meditações, obras de misericórdia, exercícios de piedade, contanto que tudo esteja de acordo com a sábia vontade do Senhor. Caso contrário, Deus os reprova e são merecedores de castigo. Se nossas obras e atividades não se realizam segundo o agrado divino, como poderiam agradar a Deus?
O profeta Samuel quando disse: “A obediência vale mais que sacrifícios” (I Samuel 15,22), mostrou que obedecendo a Deus o agradamos mais que se fizermos sacrifícios, já que o homem que deseja agir por conta própria, comete uma espécie de idolatria, porque neste caso, adora sua própria vontade, não a vontade de Deus. Pode-se dizer seguramente que a maior glória que damos a Deus é quando fazemos Sua vontade, foi o que fez Jesus quando veio a este mundo, justamente para glorifica-lo, pois disse várias vezes que não veio para fazer a Sua vontade mas a do Pai que o enviou e isso se cumpriu quando entrou no mundo se fazendo vítima de expiação para a remissão dos pecados da humanidade. Deus recusou todos os sacrifícios dos homens para receber a vítima perfeita, esta vítima era Cristo. O mundo haveria de entender este amor imenso pela vontade do Pai, que era remir os homens que estavam nas trevas do pecado e da condenação eterna, por isso, a cruz foi o caminho escolhido. Antes de se entregar disse: “ Para que o mundo saiba que eu amo o Pai, e faço como o Pai me mandou, levantai-vos e saiamos daqui”(Jo 14, 31). Seus seguidores seriam identificados como tal se fizessem como Ele, a vontade do Pai: “Pois todo aquele que fizer a vontade de Meu Pai que está nos céus, este será meu irmão, irmã e mãe”(Mt 12,50).
Se tem algo que os santos descobriram, é que ninguém se torna santo sem a busca da perfeição cristã e que toda sua luta consistiu nisso, em fazer sua vontade se conformar à vontade de Deus. Eles são exemplos para nós, que participamos da Igreja militante rumo ao céu, o seu amor puro e perfeito, e a glória a que se encontram há de nos estimular a buscar também fazer a vontade de Deus, amando-o acima de qualquer coisa, o que então facilitará muito em aceitarmos Sua vontade seja ela qual for. Jesus nos ensinou a pedir a graça de fazer Sua vontade na terra, como o fazem os santos no céu: “Seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu”(Mt 6,10). Santa Tereza nos diz: ”Toda a aspiração de quem começa a rezar deve ser esta: quero trabalhar, quero me esforçar para em tudo conformar minha vontade com a vontade do Pai. Nisto consiste a maior perfeição que se pode alcançar no caminho espiritual”(Moradas, 2). O bem-aventurado Henrique Suso dizia que: “Deus não exige de nós que tenhamos muitas idéias luminosas, mas que façamos sua vontade” e que “Preferia ser o mais desprezível verme na terra por vontade de Deus do que um anjo no céu por sua própria vontade”.
Nossa vontade seja também a vontade de Deus, esta é a mais alta perfeição que podemos aspirar e para isso é preciso que entreguemos tudo a Ele, porque se assim o fizermos estamos nos dando a Ele por inteiro. “Quem dá esmolas, entrega ao Senhor parte de seus bens, que se sacrifica, lhe dá um pedaço de si próprio. Quem pratica o jejum, oferece seu alimento, mas aquele que lhe oferece sua vontade, se consagra totalmente a Deus. Não reserva nada para si” e por isso pode verdadeiramente dizer a Deus: ‘Meu Deus e meu Senhor, sou pobre, mas eu vos dou tudo o que tenho, tudo o que sou, porque dando-vos minha vontade, nada mais me sobra para vos dar’, e é precisamente isto que o Senhor nos pede quando diz: “Meu filho, dá-me teu coração”(Pr 23, 26), isto é, tua vontade. Santo Agostinho nos lembra que não podemos fazer oferenda mais agradável a Deus do que lhe dizer: “Tomai, Senhor, posse de mim; eu vos dou toda a minha vontade; dai-me entender o que quereis de mim, e dai-me disponibilidade para realizá-lo”.
O Caminho da Paz
O bem-aventurado João de Ávila diz que “mais vale um muito obrigado, Meu Deus, na adversidade, do que mil Graças a Deus na prosperidade”, constatanto que é exatamente nas provações que se avalia se estamos mesmo conformando nossa vontade à vontade d’Ele. A perfeição desta virtude consiste nesta união, tanto na prosperidade como na adversidade, na alegria e na tristeza, no sucesso e no fracasso, na saúde e na doença. Quando se trata de sucesso e prosperidade, até os pecadores sabem aceitar gostosamente as disposições de Deus, mas os santos sabem unir sua vontade aos desejos do Senhor, mesmo que contrariem seu amor próprio. Certo e de fé que nada sucede no mundo senão por permissão de Deus, entendendo isso poderemos receber com resignação cristã o que diretamente vem de Suas mãos, independente do que seja, como também é preciso receber o que vem por meio das criaturas, da maldade dos homens: desprezo, calúnias, injustiças, perseguições de toda a sorte. O Senhor nunca aprova o pecado e a manifestação de injúrias por parte das pessoas, mas se utiliza e até as permite, para delas tirar um bem maior para seus servos e amigos. O Cristão que se exercita no cumprimento desta virtude, não somente se santifica, mas gozará na terra de uma paz impertubável, porque sabe que ”tudo concorre para o bem daqueles que O amam, daqueles que segundo seu desígno, são eleitos”. (Rm 8,28). Diz o livro dos Provérbios: “Nenhum mal atingirá o justo, mas para os ímpios tudo serão males”(Pr 12,21).
As pessoas que se esforçam por querer o que Deus quer, são muitas vezes humilhadas, mas amam as humilhações; padecem pobreza, mas amam a pobreza, enfim, aceitam com amor o que lhes acontece e levam assim uma vida calma, tranquila e feliz. Vem o frio, vem a chuva, vem o calor, vem o vento, o bom cristão aceita tudo por Deus, porque assim Deus o quer. Jó ao receber a notícia de toda a tragédia de sua vida disse categoricamente: “O Senhor mo deu, o Senhor mo tirou; bendito seja o nome do Senhor”(Jó 1,21), se ele perdeu algo, não culpou pessoas, porque sabia que nada acontece se não for da vontade do Senhor. Jó olhou com o olhar de Deus as provações e tribulações que pesou sobre ele, não como fruto do azar ou do destino, mas como sinal da vontade soberana de Deus. Santo Agostinho gostava de dizer: “Tudo o que acontece contra nossa vontade, devemos nos convencer que sucede por vontade de Deus”. Esta é a liberdade tão admirável que gozam os filhos do Altíssimo. Liberdade interior que vale mais que todos os tesouros e poderes no mundo dos homens. É aquela paz que os santos experimentaram, “paz que supera todo o entendimento”(Fl 4,7).
O homem santo permanece na sabedoria como o sol, mas o insensato muda como a lua. O pecador é como ela: hoje cheia, amanhã, minguante; hoje ri, amanhã chora de remorso, de angústia e tristeza; hoje parece tranquilo e sereno, amanhã furioso como o tigre. E por que? Porque seu contentamento depende das coisas boas ou más que lhe acontecem, e, por isso, mudam segundo sopram os ventos favoráveis ou contrários. O justo é como o sol, sempre sereno e tranquilo, porque sua paz está fundada na conformidade de sua vontade com a vontade de Deus. Podemos gozar aqui na terra de um paraíso antecipado, pois esta paz causa alegria plena, e foi exatamente o que aconteceu aos santos, independente do que passavam; é uma alegria que o mundo não compreende mas que pode e deve estar no coração daquele que tudo se conforma a Deus, e nada, nem a dor, nem a fome, nem a tribulação, haverá de tirar esta paz e impedir que se cumpra de fato a vontade de Deus em sua vida.
Seja Feita a Vossa Vontade
“Quem poderá resistir à vontade de Deus?”(Rm 9,19) diz São Paulo constatando que ninguém pode impedir que se cumpram os decretos divinos, e que por isso, sábio é aquele se deixa conduzir por Deus em todos as ocasiões de sua vida, e que todos os homens, grandes ou pequenos, ricos e pobres deverão carregar sua cruz. Os que carregam cheios de revolta, sem amor, terão neste mundo uma vida inquieta, vazia, e na outra terão sofrimentos maiores, é o que se lê no livro de Jó: “Deus é sábio de coração, forte e poderoso, quem lhe poderá resistir impunemente?”(Jó 9,4). “Que buscas, ó homem – dizia Santo Agostinho -, buscando bens e mais bens? Ama e busca, o único bem verdadeiro, no qual estão todos os bens. Busca Deus, entrega-te a Ele, abraça a sua santa vontade e viverás sempre feliz, nesta e na outra vida”.
Poderemos encontrar um amigo que nos ame mais que Deus? Todo seu desejo e empenho é de que ninguém se perca, pois sendo Ele por natureza, a bondade infinita, a própria bondade, e sendo próprio dela se comunicar a outros, Ele só deseja nos fazer participantes de seus bens e de sua eterna e infinita felicidade. Depois que Deus ofereceu ao mundo a salvação em Seu Filho Jesus Cristo pela Igreja, poderá negar-nos alguma coisa? “Se Deus é por nós, quem será contra nós?”(Rm 8,31). Se queres ser agradável ao Senhor e levar neste mundo vida feliz e tranquila, procura estar unido, sempre e em todas as coisas, à vontade do Senhor e permanece fiel à oração nunca se esqueçendo de que todos os pecados, desordens e angústias de tua vida passada tem raiz e fundamento o te haveres separado da vontade de Deus. Apega-te de hoje em diante à vontade divina e em tudo que te acontece reza como Jesus Cristo: “Sim, ó Pai, porque isso foi do teu agrado” (Mt 11,26). Quando as humilhações e depressões pesarem, que teu espírito cheio de humildade e de conformidade diga a Deus: “Calo-me, já não abro a boca, porque sois Vós que operais” (Sl 38,10.) A isto deves orientar todos os teus pensamentos e orações, pedindo sempre ao Senhor, na meditação, na comunhão, na visita ao Santíssimo Sacramento, que tudo te ajude a cumprir a vontade d’Ele, dizendo: “Aqui me tendes, Meu Deus, fazei de mim o que quiserdes!” Santa Teresa assim o fazia, oferecendo-se a Deus muitas vezes por dia.
Assim Na Terra Como No Céu
A enfermidade é a pedra de toque dos espíritos humanos, porque a seu contato se descobre a virtude, o valor que uma alma tem em si. Se suporta a provação sem perturbar-se, sem lamentar-se nem inquietar-se; se obedece ao médico e aos superiores; se permanece tranquila e resignada à vontade de Deus, é sinal que sua virtude é sólida. De nada adiantará a murmuração, o lamento, as queixas, já que sua alma não crescerá em virtude e não fará com isso a santa vontade de Deus, tornando seus tormentos maiores e pouco frutuosos, já que poderia te-los usados para sua própria santificação.
Devemos também resignar-nos à vontade de Deus nas desolações e securas espirituais. Quando uma alma se entrega à vida de justiça e santidade, o Senhor constuma mandar-lhe todo o gênero de sofrimentos e de desolações espirituais. Por que? – Para desprende-la dos prazeres da vida. Para ver se nosso amor é verdadeiro, desinteressado; para testar nossa fé e nossa fidelidade; para ver se procuramos “O Deus das consolações ou as consolações de Deus”. Os santos sofreram muitas desolações e securas espirituais. “Que duro está meu coração, exclamava São Bernardo; não tenho gosto nem para ler, não encontro consolo nem na oração nem na meditação”. Mas eles sabiam que as verdadeiras alegrias, santas e ternas, Deus as reserva para o céu. Esta terra é lugar de merecimento, ao passo que o paraíso é o lugar de prêmio e descanso, de repouso no Senhor.
Finalmente, devemos nos resignar-nos à vontade de Deus, quando a morte nos visitar, seja quanto ao tempo, ao lugar e ao modo. Viver procurando a Sua vontade em todas as circunstâncias de nossa vida é sinal de grande sabedoria cristã. Quer na vida, quer na morte, quer no tempo, quer na eternidade, minha felicidade está na realização da vontade divina. Assim procediam Jesus, Nossa Senhora e todos os santos, querem exemplos melhores? O temor de perder a Deus nos faz sermos vigilantes e sempre dispostos a jamais perder a graça alcançada. Quem ama deseja a presença da pessoa amada. O amor requer presença. E como “quem não morre não vê a Deus”, devemos suspirar e não temer, como os santos pela hora da morte libertadora para entrarem no paraíso. Santo Agostinho rezava pedindo a salvação: “Morra eu, Meu Deus, para ir ver-te!”…E São Paulo desabafou: “Desejo partir para estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor”( Fl 1,23). E o profeta Davi, muitos séculos antes do Apóstolo, suspirava: - “A minha alma tem sede do Senhor, do Deus Vivo. Quando poderei chegar, para contemplar a face de Deus”(Sl 41,3). Assim falavam e rezavam todas as almas enamoradas do Senhor da vida.
Os Bens Espirituais
Esta é a ambição que deves cultivar no coração: amar a Deus o máximo que puderes. Todavia não se deve desejar um grau de amor maior do que aquele que o Deus de amor determinou nos conceder desde toda a eternidade. Disse o bem-aventurado Pe. João de Ávila: - “Não creio que tenha existido um santo que não desejasse ser melhor do que era. Mas isso não lhe tirava a paz e estava sempre contente com os dons recebidos”. Por outro lado, sejamos diligentes e fervorosos em procurar nossa perfeição, usando todos os meios ao nosso alcance. Não devemos permitir jamais que a rotina e a tibieza invadam nossa vida espiritual e religiosa, dizendo: “Se Deus quiser, tudo vai dar certo”…”Deus é Pai e misericordioso”.
Não devemos nos deixar levar pelo desânimo e arrastar fraquesas, sem fazer esforço algum para romper com o egoísmo e os pecados. Sem perder a coragem, o ânimo e a confiança em Deus, com humildade, paciência e firmeza, procura valer-te da oração e dos sacramentos, do Evangelho e da devoção a Nossa Senhora, prosseguindo a caminhada para o alto. Não percas tempo desejando coisas sublimes como êxtases, visões, revelações, arroubos e outros dons sobrenaturais, o que interessa é a graça da oração, o amor de Deus e zelo pela salvação dos irmãos. E se não for do agrado de Deus levar-nos a tão sublime grau de perfeição e glória, tudo bem; o mais importante é o cumprimento de Sua vontade santa e santificadora.
Conclusão
Em suma, devemos olhar como vindas das mãos de Deus todas as coisas que nos sucedem ou nos podem atingir. Todas as nossas ações sejam orientadas ao único fim de agradar a Nosso Senhor e de cumprir sua santa vontade, ela é o caminho mais seguro e firme que nos leva à justiça e à santidade. Para termos êxito neste caminho deixemo-nos guiar por nossos superiores e pela direção caridosa e sensata de nosso conselheiro espiritual. Esforcemo-nos por servir ao Senhor do modo que Ele deseja. Digo isto para que evitemos um engano muito comum, engano e erro em que muitos ainda estão, perdendo lastimosamente seu tempo precioso, alimentando fantasias, pensamentos tolos e dizendo ainda: “Se eu entrasse para o convento, para a vida religiosa, se me retirasse para um lugar solitário, fora de casa e longe dos amigos e dos parentes, eu me faria santo; eu me dedicaria mais à oração e à penitência!”…Contentam-se com dizer: “Eu me faria santo…eu me faria santo!” E, no entanto, não levam a cruz com amor, paciência e conformidade; não aceitam a vontade de Deus.
Meu amigo, cumprindo à risca a vontade do Senhor, certamente seremos santos, em qualquer estado ou situação de vida. Não queiramos mais do que Deus quer e, então, Ele levará o nosso nome gravado em suas mãos e em seu coração. Tenhamos sempre em mente algumas passagens da Escritura, que nos convidam a entrar no esquema da vontade divina: ”Senhor, que queres que eu faça?”( At 22,10); “Sou vosso, salvai-me”(Sl 118,94); Sim, Pai, eu vos bendigo, porque foi do vosso agrado fazer isto”(Mt 11,26). Mas entre todas as orações, é esta que devemos repetir e viver todo dia e todo momento: ”Seja feita a vossa vontade” – Seja para sempre bendita e louvada a vontade do Senhor, como também a Imaculada e bem-Aventurada Virgem Maria”.
Referência:
LIGÓRIO, Santo Afonso Maria de Ligório. Conversando Sobre a Vontade de Deus. Editora Santuário: Aparecida. 1986.
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