Santo Ambrósio de Milão
(Bispo, cerca de 340-397)
Antologia
- Sobre Abraão: «Abraão viu o meu dia»
- A Penitência, II, 8: «A tua fé te salvou. Vai em paz»
- Comentário do Salmo 48, 14-15: «Os filhos estão livres»
- Tratado sobre S. Lucas 7, 131-132: «Vim trazer um fogo à terra»
- Sobre o Evangelho de S. Lucas, 7,244 sg: «Tendes só um Mestre, ... o Cristo» (Mt 23,8)
- Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas, 5, 89, 91-92: «Jovem, Eu te ordeno, levanta-te»
- Sobre o evangelho de S. Lucas, 7, 207: Deus à procura do homem perdido
- Comentário ao evangelho de S. Lucas: «Antes de o galo cantar, negar-me-ás três vezes»
- A Penitência, I, 1: «Ir ao encontro dos outros como o Senhor vem ao nosso encontro»
- Comentário a S. Lucas 2, 26-27: «Em uníssono exaltemos o Seu nome» (Sl 33, 4)
- Comentário sobre o Evangelho de S. Lucas: «De tal maneira que as aves do céu vêm fazer os ninhos à sua sombra»
- «Segue-me»
- Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas, 7,73 (SC 52,p.33s): «O bom samaritano»
- Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas: «As três parábolas da misericórdia»
- Elias e o jejum: «Caminhará diante de Deus com o espírito e o poder de Elias» (Lc 1, 17)
- Comentário ao Evangelho de Lucas: «És tu aquele que deve vir?»
- Tu que escondes o teu ouro na terra (Mt 25, 25), és o seu servo, não o senhor.
- Sobre o Credo
- Comentário sobre S. Lucas 6: «Passou a noite a orar a Deus»
- «Abre tu boca a la palabra de Dios»
- Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas: «O seu reino é indivisível e eterno»
- Sobre o Evangelho de S. Lucas 8, 31-32: «Somos uns servidores inúteis»
- Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas, 7: «Obriga-os a entrar, para que a Minha casa se encha»
- Comentário ao Salmo I, 33: «Cumpriu-se hoje esta palavra da Escritura que acabais de ouvir»
- Sobre o salmo 45, 2: «O testemunho dos profetas conduz ao testemunho dos apóstolos»
- Homilia 20 sobre o Salmo 118: «Pronunciar-se por Cristo em frente dos homens»
- Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas: Marta e Maria acolhem a Sabedoria
- Carta 35, a Orontiano, 6, 13: «Os filhos estão isentos»
- Sobre os mistérios, 48-49, 58: «Eu sou o Pão da Vida»
- Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas: «Bem-aventurados os pobres.Bem-aventurados os que choram.»
- Sobre o Evangelho de S. Lucas, V: O choro de uma mãe
- Tratado sobre são Lucas 8, 40-56 (SC 45, p.249): «Eu te ordeno, levanta-te!»
- Comentário de S. Lucas: «Jesus foi então conduzido pelo Espírito até ao deserto para ser tentado pelo diabo»
- Comentário do Salmo 118: «O vosso Pai que está nos céus não quer que um só destes pequeninos se perca»
- Tratado sobre o evangelho de S. Lucas: «Avança para o largo e lançai as redes»
«Abraão viu o meu dia»
Sobre Abraão
«Deus disse a Abraão: Toma o teu filho bem-amado, esse Isaac que acarinhaste; parte para a montanha e lá mo oferecerás em holocausto» (Gn 22,2). Isaac prefigura Cristo que vai sofrer: vem sobre uma burra...
Quando o Senhor veio sofrer por nós na sua Paixão, soltou o jumento de junto da burra e sentou-se nela... Abraão disse aos servos: «Já voltaremos para junto de vós»; sem que ele o soubesse, isto era uma profecia... Isaac carregou a lenha e Cristo levou a própria cruz. Abraão acompanhava o seu filho; o Pai acompanhava Cristo. Na verdade, ele diz: «Deixar-me-eis só, mas eu não estou só; o Pai está comigo» (Jo 16,32). Isaac diz a seu pai...: «Está aqui a lenha, onde está o cordeiro para o holocausto?» São palavras proféticas, mas ele não o sabe; com efeito, o Senhor preparava um Cordeiro para o sacrifício. Também Abraão profetizou ao responder: «Deus proverá o cordeiro para o holocausto, meu filho»...
«O anjo diz: 'Abraão, Abraão!... Não ergas a mão sobre o menino, não lhe faças mal; porque agora sei que temes a Deus, tu que não poupaste o teu filho bem-amado por minha causa' (cf. Rm 8,32)... Abraão levantou os olhos e viu: estava ali um carneiro suspenso pelos cornos num arbusto». Porquê um carneiro? É o que tem mais valor em todo o rebanho. Porquê suspenso? Para te mostrar que não era uma vítima terrestre... O nosso corno, a nossa força, é Cristo (Lc 1,69), que é superior a todos os homens, tal como lemos: «És o mais belo dos filhos dos homens» (Sl 44,3). Só ele foi erguido da terra e exaltado, como no-lo ensina com estas palavras: «Eu não sou deste mundo; sou do alto» (Jo 8,23) Abraão viu-o neste sacrifício, apercebeu-se da sua Paixão. É por isso que o Senhor diz dele: «Abraão viu o meu dia e rejubilou». Ele apareceu a Abraão, revelando-lhe que o seu corpo sofreria a paixão pela qual resgatou o mundo. Indica mesmo o tipo de Paixão ao mostrar o carneiro suspenso; aquele arbusto é o braço da sua cruz. Erguido sobre esse madeiro, o guia incomparável do rebanho tudo atraiu a si, para por todos ser conhecido.
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«A tua fé te salvou. Vai em paz»
A Penitência, II, 8
“Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes” (Mt 9,12). Mostra portanto ao médico a tua ferida, para poderes ser curado. Mesmo se tu não a mostrares, ele conhece-a, mas ele exige de ti que tu o faças ouvir a tua voz. Limpa as tuas feridas com as tuas lágrimas. Foi assim que esta mulher da qual fala o evangelho se desembaraçou do seu pecado e da má reputação do seu desvio; foi assim que ela se purificou da sua falta, lavando os pés de Jesus com as suas lágrimas.
Possas tu reservar também para mim, Jesus, o desvelo de lavar os teus pés, que tu sujaste enquanto caminhavas em mim!... Mas onde encontrarei eu a água viva com a qual poderei lavar os teus pés? Se não tenho água, tenho as minhas lágrimas. Fazei que lavando os teus pés com elas, eu possa purificar-me a mim próprio! Como fazer de modo que digas de mim: “Os seus numerosos pecados são-lhe perdoados, porque ela amou muito”? Confesso que a minha dívida é considerável e que “já fui resgatado”, eu que fui arrancado do barulho das querelas da praça pública e das responsabilidades do governo para ser chamado ao sacerdócio. Por consequência, eu temo ser considerado um ingrato se amo menos, dado que ele já me resgatou.
Não me posso comparar à importância dessa mulher que foi justamente preferida ao fariseu Simão que recebia o Senhor em sua casa. Entretanto, a todos os que quiserem merecer o perdão, ela dá uma instrução, beijando os pés de Cristo, lavando-os com as suas lágrimas, enxugando-os com os seus cabelos, ungindo-os com perfume… se não a podemos igualar, o Senhor Jesus sabe vir em socorro dos fracos. Onde não há ninguém que saiba preparar uma refeição, levar o perfume, trazer consigo uma fonte de água viva (Jo 4,10), vem ele próprio.
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«Os filhos estão livres»
Comentário do Salmo 48, 14-15
Quando Cristo reconciliou o mundo com Deus, não precisava evidentemente de reconciliação para si mesmo. Por qual dos seus pecados teria ele de apaziguar Deus, Ele que não cometera nenhum? Por isso, quando os judeus lhe exigiram as duas dracmas exigidas pala Lei, Jesus disse a Pedro: “Simão, de quem recebem os reis da terra o tributo e os impostos? Dos filhos ou dos estranhos?” Pedro respondeu: “Dos estranhos”. Jesus replicou: « Portanto, os filhos estão isentos. Mas para não os escandalizar, lança o anzol e abre a boca do primeiro peixe que apanhes; encontrarás aí uma moeda de quatro dracmas: toma-a e dá-a por mim e por ti”.
Cristo mostra-nos assim que Ele não tinha nada a expiar por pecados pessoais, porque não era escravo do pecado mas, como Filho de Deus, estava livre de qualquer falta. O filho estava livre e o escravo em estado de pecado. Uma vez que está livre de tudo, Jesus não paga nada pelo resgate da sua alma, Ele cujo sangue podia amplamente pagar a redenção dos pecados do mundo inteiro. Ele tem o direito de libertar os outros, Ele que não tem qualquer dívida em seu nome.
Mas eu vou mais longe. Cristo não é o único a não ter de pagar pela redenção ou pela expiação de pecados pessoais. Se considerarmos qualquer homem crente, podemos dizer que nenhum deve pagar pela sua própria expiação, porque Cristo expiou para a redenção de todos.
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«Vim trazer um fogo à terra»
Tratado sobre S. Lucas 7, 131-132
«Vim trazer o fogo à terra, e como desejaria que já estivesse aceso». O Senhor quer-nos vigilantes, esperando a todo o momento a vinda do Salvador. […] Mas porque o ganho é magro e fraco o mérito quando é por temor do suplício que não nos deixamos cair na perdição, e porque o amor é o valor superior, o próprio Senhor inflama-nos no desejo de chegar a Deus, ao dizer-nos: «Vim trazer o fogo à terra». Certamente não é este o fogo que destrói, mas o fogo que produz a vontade boa, que torna mais valiosos os vasos de ouro da casa do Senhor ao queimar o feno e a palha (1 Co 3, 12ss), ao devorar as podres entranhas do mundo, amassadas pelo gosto do prazer terrestre, obras da carne que devem ser destruídas.
Era o fogo divino que queimava os ossos dos profetas, como declara Jeremias: «Tornou-se um fogo devorador, encerrado em meus ossos» (Jr 20,9). Porque há um fogo que vem do Senhor, sobre o qual se diz: «à frente d’Ele avançará o fogo» (Sl 96, 3). O próprio Senhor é um fogo, diz ele, «que arde sem se consumir» (Ex 3,2). O fogo do Senhor é a luz eterna; neste fogo acendem-se as lâmpadas dos crentes: «Tende os rins cingidos e as lâmpadas acesas» (Lc 12, 35). É porque os dias desta vida são noite ainda que são necessárias as lâmpadas. É este o fogo que, segundo o testemunho dos discípulos de Emaús, o próprio Senhor pusera neles: “Não sentíamos o coração a arder, durante o caminho, enquanto Ele nos explicava as Escrituras?» (Lc 24,32). Eles ensinam-nos pela evidência qual é acção deste fogo, que ilumina o fundo do coração do homem. É por isso que o Senhor virá no fogo (Is 66, 15), para consumir os vícios no momento da ressurreição, para com a sua presença realizar os desejos de cada um de nós, e projectar a sua luz sobre as glórias e os mistérios.
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«Tendes só um Mestre, ... o Cristo» (Mt 23,8)
Sobre o Evangelho de S. Lucas, 7,244 sg
«Nenhum servo pode servir a dois senhores». Não quer dizer que haja dois: há um único Mestre. Porque, mesmo se há pessoas que servem o dinheiro, este, contudo, não possui qualquer direito para ser seu mestre; elas é que querem carregar o jugo da escravatura. Na verdade, não se trata de um poder justo mas de uma escravatura injusta. É por isso que Jesus diz: «Arranjem amigos com o dinheiro desonesto» para que, pelas nossas prodigalidades para com os pobres, obtenhamos o favor dos anjos e dos outros santos.
O intendente não é criticado: aprendemos assim que não somos senhores, mas apenas intendentes das riquezas de outrem. Embora tenha cometido uma falta, ele é louvado porque, dando aos outos em nome do seu senhor, conseguiu apoios. E Jesus bem fala de «dinheiro enganador», porque a avareza tenta as nossas inclinações pelas variadas seduções das riquezas, a ponto de nos querermos tornar seus escravos. É por isso que ele diz: «Se não sois dignos de confiança com os bens dos outros, quem vos dará o vosso?» As riquezas são-nos estranhas porque estão fora da nossa natureza; não nascem connosco, não nos seguem quando morrermos. Cristo, pelo contrário, é nosso porque é a vida... Não sejamos escravos dos bens exteriores porque apenas devemos reconhecer a Cristo como nosso Senhor.
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«Jovem, Eu te ordeno, levanta-te»
Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas, 5, 89, 91-92
Mesmo que os sintomas da morte tenham afastado por completo a esperança de vida, mesmo que os corpos dos defuntos jazam perto do túmulo, ainda assim, à voz de Deus, os cadáveres preparados para a decomposição voltam a erguer-se, recuperam a fala; o filho é devolvido a sua mãe, é chamado do túmulo, é arrancado ao túmulo. Que túmulo é o teu? Os teus maus hábitos, a tua falta de fé. É deste túmulo que Cristo te liberta, é deste túmulo que ressuscitarás, se ouvires a Palavra de Deus. Ainda que o teu pecado seja tão grave, que não consigas lavar-te a ti mesmo pelas lágrimas do arrependimento, a Igreja tua Mãe chorará por ti, Ela que intervém a favor de todos os seus filhos, qual mãe viúva por seu único filho. Porque se compadece, por uma espécie de dor espiritual que lhe é natural, ao ver os seus filhos serem conduzidos à morte por pecados fatais. […]
Que Ela chore, pois, esta Mãe piedosa, e que a multidão a acompanhe; que não seja apenas uma multidão, mas uma multidão considerável, a compadecer-se desta Mãe terna. Então ressuscitarás do túmulo, dele serás libertado; os carregadores deter-se-ão, começarás a falar como um vivo e todos ficarão estupefactos. O exemplo de um só servirá para corrigir muitos, que louvarão a Deus por nos ter concedido tais remédios para evitar a morte.
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Deus à procura do homem perdido
Sobre o evangelho de S. Lucas, 7, 207
Como a fraqueza dos homens não é capaz de manter um ritmo firme neste mundo escorregadio, o bom médico mostra-te os remédios contra os desvios, e o juiz misericordioso não recusa a esperança do perdão. Não foi sem motivo que S. Lucas apresentou três parábolas em sequência: a ovelha que se tinha perdido e que foi encontrada, a moeda que estava perdida e se encontrou, o filho que estava morto e regressou à vida. É para que este triplo remédio nos comprometa a cuidar das nossas feridas... A ovelha cansada foi trazida pelo pastor; a moeda extraviada foi encontrada; o filho volta para trás e regressa ao encontro do pai no arrependimento do seu desvario...
Alegremo-nos, pois, pelo facto de que esta ovelha que se tinha perdido em Adão seja reerguida em Cristo. Os ombros de Cristo são os braços da cruz; foi lá que depus os meus pecados, foi sobre esse madeiro que encontrei repouso. Aquela ovelha é única na sua natureza, mas não nas suas pessoas, porque todos nós formamos um só corpo mas somos muitos membros. É por isso que está escrito: "Vós sois o corpo de Cristo e membros dos seus membros" (1 Co 2,27). "O Filho do homem veio para salvar o que estava perdido" (Lc 19,10), quer dizer, todos os homens, uma vez que "todos morrem em Adão, tal como todos revivem em Cristo" (1 Co 15,22)...
Também não é indiferente que esta mulher se alegre por ter encontrado a moeda: é que nesse moeda figura a imagem de um príncipe. De igual modo, a imagem do Rei é o bem da Igreja. Nós somos ovelhas: peçamos então ao Senhor que nos conduza à água do descanso (Sl 22,2). Nós somos ovelhas: peçamos as pastagens. Nós somos a moeda: guardemos o nosso valor. Nós somos filhos: corramos para o Pai.
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«Antes de o galo cantar, negar-me-ás três vezes»
Comentário ao evangelho de S. Lucas
Pedro negou uma primeira vez e não chorou, porque o Senhor não o olhou. Negou-o uma segunda vez e não chorou, porque o Senhor ainda não o tinha olhado. Negou-o uma terceira vez, Jesus olhou-o, e ele chorou, amargamente (Lc 22,62). Olha-nos, Senhor Jesus, para que saibamos chorar o nosso pecado. Isto mostra que mesmo a queda dos santos pode ser útil. A negação de Pedro não me fez mal; ao contrário, com o seu arrependimento, eu ganhei: aprendi a defender-me de um ambiente infiel…
Portanto, Pedro chorou, e muito amargamente; chorou para chegar a lavar a sua culpa com as lágrimas. Também vós, se quereis obter o perdão, apagai a vossa falta com as lágrimas; nesse exacto momento, nessa mesma hora, Cristo olha-vos. Se vos suceder alguma queda, ele, testemunha presente da vossa vida secreta, olha-vos para vos lembrar e vos fazer confessar os vossos erros. Fazei então como Pedro, que disse noutra ocasião por três vezes: “Senhor, tu sabes que eu te amo” (Jo 21, 15). Ele negou três vezes, três vezes também ele confessa; mas ele negou na noite, e confessa em pleno dia.
Tudo isto está escrito para nos fazer compreender que ninguém se deve vangloriar. Se Pedro caiu por ter dito: “Ainda que todos se escandalizem de Ti, eu nunca me escandalizarei” (Mt 26,33), que outra pessoa estaria no direito de contar consigo próprio?... Donde te chamarei, Pedro, para me ensinares os teus pensamentos quando tu choravas? Do céu onde já tomaste lugar entre os coros dos anjos, ou ainda do túmulo? Porque a morte, da qual o Senhor ressuscitou, não te repugna por seu turno. Ensina-nos em que é que as tuas lágrimas te foram úteis. Mas tu ensinaste-o bem depressa: porque tendo caído antes de chorar, as tuas lágrimas fizeram-te ser escolhido para conduzir outros, tu que, inicialmente, não tinhas sabido conduzir-te a ti mesmo.
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«Ir ao encontro dos outros
como o Senhor vem ao nosso encontro»
como o Senhor vem ao nosso encontro»
A Penitência, I, 1
A moderação é sem dúvida a mais bela das virtudes… É só a ela que a Igreja, adquirida pelo preço do sangue do Senhor, deve a sua expansão; ela é a imagem do benefício celeste da redenção universal… Consequentemente, quem se aplica a corrigir os defeitos da fraqueza humana deve suportar e em certa medida sentir o peso desta fraqueza sobre os próprios ombros, e não a rejeitar. Porque lemos que o pastor do Evangelho levou a ovelha fatigada, e não a rejeitou (Lc 15,5) … A moderação, com efeito, deve temperar a justiça. Não sendo assim, como poderia alguém por quem tu mostras desaprovação – alguém que pensaria ser para o seu médico um objecto de desprezo e não de compaixão – como poderia ele vir ter contigo para ser tratado?
É por isso que o Senhor Jesus mostrou compaixão para connosco. O seu desejo era de nos chamar a ele, e de não nos fazer fugir assustando-nos. A doçura marca a sua vinda; a sua vinda é marcada pela humildade. Ele disse aliás: “Vinde a mim, vós que estais aflitos, e eu vos reconfortarei”. Assim pois, o Senhor Jesus reconforta, não exclui, não rejeita. E é justificadamente que escolheu para discípulos homens que, ao serem fiéis intérpretes da vontade do Senhor, reuniriam o povo de Deus, em vez de o afastar.
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«Em uníssono exaltemos o Seu nome» (Sl 33, 4)
Comentário a S. Lucas 2, 26-27
Que em todos resida a alma de Maria que glorifica o Senhor; que em todos resida o espírito de Maria que exulta em Deus. Se, fisicamente, há uma só Mãe de Cristo, pela fé, Cristo é fruto de todos, porque todas as almas recebem o Verbo de Deus se permanecerem sem mancha, preservadas do mal e do pecado, guardando a castidade numa pureza inalterada. Assim, todas as almas que alcançam este estado exaltam o Senhor, como a alma de Maria exaltou o Senhor e o seu espírito se alegrou em Deus Salvador.
Com efeito, o Senhor é exaltado, como lestes noutra passagem: “Em uníssono exaltemos o Seu nome” (Sl 33, 4). Não que a palavra humana possa acrescentar seja o que for ao Senhor, mas porque Ele cresce em nós. Porque “Cristo é a imagem de Deus” (2 Cor 4, 4), de maneira que a alma que faz coisas justas e religiosas exalta esta imagem de Deus, à semelhança da qual foi criada. E, exaltando-a, participa de alguma maneira na sua grandeza, na qual é elevada, parecendo reproduzir em si esta imagem através das cores vivas das suas boas obras, e como que copiá-la pelas suas virtudes.
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«De tal maneira que as aves do céu
vêm fazer os ninhos à sua sombra»
vêm fazer os ninhos à sua sombra»
Comentário sobre o Evangelho de S. Lucas
O próprio Senhor é um grão de mostarda. […] Se Cristo é um grão de mostarda, como é Ele o mais pequeno e como cresce? Não é na sua natureza, mas segundo a aparência, que Ele se torna grande. Quereis saber de que forma é o menor? “Vimo-lo sem aspecto atraente” (Is 53, 2). Aprendei também como é Ele o maior: “És o mais belo de entre os filhos do homem” (Sl 44, 3). Com efeito, aquele que não tinha atractivo nem beleza tornou-se superior aos anjos (Heb 1, 4), ultrapassando toda a glória dos profetas de Israel. […] Ele é a menor de todas as sementes, porque não veio com a realeza, nem com as riquezas, nem com a sabedoria deste mundo. E subitamente, como uma árvore, fez dilatar o cume elevado do seu poder, de tal maneira que nós dizemos: “Anelo sentar-me à sua sombra” (Cant 2, 3).
Muitas vezes me pareceu, em simultâneo, árvore e semente. É semente quando dizem Dele: “Não é Ele o filho do carpinteiro?” (Mt 13, 55). Mas foi no decurso da Sua própria pregação que Ele cresceu: “De onde Lhe vem esta sabedoria?” (v. 54). Ele é, pois, semente na aparência, árvore pela sabedoria. Na folhagem dos seus ramos poderão repousar com segurança a ave nocturna na sua morada, o pássaro solitário sobre o telhado (Sl 101, 8), aquele que foi arrebatado até ao paraíso (2 Cor 12, 4), como aquele que será “arrebatado juntamente com eles sobre as nuvens” (1 Tes 4, 17). Aí repousam também as potências e os anjos do céu e todos aqueles cujas acções espirituais lhes permitiram levantar voo. Foi aí que repousou São João, quando se apoiou no peito de Jesus (Jo 13, 25). […]
E nós, que estávamos longe (Ef 2, 13), espalhados por entre as nações, que fomos durante muito tempo agitados no vazio do mundo pelas tempestades do espírito do mal, abrindo as asas da virtude, dirijamos o nosso voo para que esta sombra dos santos nos abrigue do calor escaldante deste mundo. Já recuperámos a vida na paz e na segurança desta morada, no momento em que a nossa alma, outrora curvada sob o peso dos pecados, escapa “como um pássaro do laço do caçador” (Sl 123, 7), e é transportada para os ramos e as montanhas do Senhor (Sl 10, 1).
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«Segue-me»
É misteriosa a vocação do publicano. Cristo diz-lhe que O siga, não por um interesse material, mas por um impulso do coração. E aquele homem, que até então tirava avidamente proveito dos negócios, que explorava duramente as canseiras e os perigos dos homens do mar, deixa tudo à voz do chamamento. Ele, que tomava dos bens dos outros, abandona o que era seu; Ele, que permanecia sentado atrás da sua triste banca, caminha com todo o entusiasmo atrás do Senhor. E prepara-Lhe um grande banquete: o homem que recebe a Cristo na sua morada interior sente-se saciado de delícias imensas, de alegrias inexcedíveis. Quanto ao Senhor, entra de boa vontade e senta-Se à mesa preparada pelo amor daquele que acreditou.
Naquele mesmo instante, revela-se a diferença entre os detentores da Lei e os discípulos da graça. Ater-se à Lei é sofrer, num coração vazio, uma fome sem remédio; acolher interiormente a Palavra, recebê-la na alma, é encontrar a renovação na abundância do alimento e da fonte imperecíveis, é nunca mais ter fome, nunca mais ter sede.
Se o Senhor come com os pecadores, será por ventura para nos proibir a nós de comermos e vivermos em comum até com os pagãos? Ele diz-nos: «Não são os que gozam de saúde os que precisam de médico, mas os doentes». É novo o remédio que o novo Mestre nos traz. Não é um produto que nasça da terra. E toda a ciência não saberia prepará-lo.
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«O bom samaritano»
Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas, 7,73 (SC 52,p.33s)
«Um homem descia de Jerusalém a Jericó”. Jericó é o símbolo do nosso mundo aonde desceu Adão depois de ter sido expulso do paraíso, quer dizer da Jerusalém celeste... É a troca, não de lugar, mas de costumes, que fez o seu exílio. Que mudança a deste Adão, que gozava duma felicidade sem inquietação! Desde que caiu nas baixezas deste mundo, passa a encontrar os ladrões... Quem são estes ladrões, senão os anjos da noite e das trevas, que por vezes se fazem passar por anjos de luz (2Co 11,14)? Eles começam por nos despojarem das vestes da graças espiritual que recebemos e, é assim que habitualmente nos fazem par nos ferirem. Se guardarmos intactas as vestes que recebemos, os ladrões não poderão atingir-nos. Põe-te então de sobreaviso para não te deixares despojar, como aconteceu com Adão, e ficares privado da proteção de Deus e despido da veste da fé. Por essa razão é que ele recebeu a mortal ferida que teria feito sucumbir todo o gênero humano, se o Samaritano não tivesse descido para curar as suas feridas.
Pouco importa quem seja este samaritano; aquele que o sacerdote e o levita tinham desdenhado, ele não não desdenhou. Portanto, o Samaritano descia. “Quem é desceu do céu, senão aquele que subiu ao céu, o Filho do Homem, que está nos céus?” (Jn 3,13). Vendo meio morto este homem que ninguém, antes dele, tinha podido curar, veio ele até junto de si; quer dizer que, ao aceitar sofrer conosco, ele fez-se o nosso próximo e, ao compadecer-se de nós, fez-se nosso companheiro.
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«As três parábolas da misericórdia»
Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas
Não foi sem razão que S. Lucas nos apresentou de seguida três parábolas: a ovelha que se tinha perdido e foi encontrada, a dracma desaparecida e que foi achada, o filho pródigo que estava morto e reviveu... Foi para que, solicitados por este triplo remédio, tratemos das nossas feridas. Quem são este pai, este pastor, esta mulher? Não serão Deus Pai, Cristo, a Igreja? Cristo, que tomou sobre si os teus pecados, leva-te no seu corpo; a Igreja procura-te; o Pai acolhe-te. Como um pastor, Ele te transporta; como uma mãe, Ela te busca; como um Pai, Ele te cobre. Primeiro a misericórdia, depois a assistência, por fim a reconciliação.
Cada pormenor convém a cada um deles: o Redentor vem em teu auxílio, a Igreja assiste-te; o Pai se reconcilia. A misericórdia da obra divina é a mesma, mas a graça varia segundo os nossos méritos. A ovelha cansada é trazida pelo pastor, a dracma perdida é encontrada, o filho regressa para o pai e volta plenamente arrependido de uma falta que ele condena...
Alegremo-nos pois que esta ovelha, que tinha caído com Adão, seja levantada em Cristo. Os ombros de Cristo, são os braços da cruz: foi lá que depus os meus pecados, foi sobre o seu nobre tronco que eu repousei.
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«Caminhará diante de Deus com o espírito
e o poder de Elias» (Lc 1, 17)
e o poder de Elias» (Lc 1, 17)
Elias e o jejum
O que é o jejum, senão a imagem e a substância do Céu? O jejum é o reconforto da alma, o alimento do espírito, o jejum é a vida dos anjos, o jejum é a morte do pecado, a destruição das faltas, o remédio da salvação, a raiz da graça, o fundamento da castidade. Por esta escada chega-se mais rapidamente junto de Deus; por esta escada, subiu Elias, antes de montar o carro; ao partir para o céu, deixou ao seu discípulo esta herança da abstinência sóbria (cf 2R 2, 15.) É nesta força e espírito de Elias que surge João. (Lc. L,l7)
Efetivamente, ele entregava-se ao jejum, e o seu alimento eram gafanhotos e mel selvagem (Mt. 3,4); por esta razão, aquele que o tinha levado pelo domínio de si próprio sobre a capacidade da vida humana foi considerado não como um homem, mas como um anjo. Nós lemos a seu respeito «Ele é mais do que profeta. É aquele de quem se escreveu: Eis que envio o meu anjo a preparar o caminho diante de ti»(Mt 11,9-10; Ex 23,20). Quem seria capaz, por forças humanas, montar cavalos e carro de fogo, fazer um percurso através dos ares [como Elias], senão aquele que tinha transformado a natureza do corpo humano pela força do jejum que obtém a incorruptibilidade?
«És tu aquele que deve vir?»
Comentário ao Evangelho de Lucas
O Senhor, sabendo que sem o Evangelho ninguém pode ter uma fé plena – porque se a Bíblia começa pelo Antigo Testamento, é no Novo que ela atinge a perfeição – não esclarece as questões que lhe põem acerca dele próprio por palavras, mas pelos seus atos. “Ide, disse ele, contai a João o que virão e ouviram: os cegos vêem, os coxos andam, os surdos ouvem, os leprosos são purificados, os mortos ressuscitam, a Boa Nova é anunciada aos pobres”. Este testemunho é completo porque foi dele que profetizaram:”O Senhor liberta os prisioneiros; o Senhor dá vista aos cegos; o Senhor levanta os caídos... O Senhor reinará eternamente” (Sl 145,7s). Estas são as marcas de um poder não humano mas divino...
Contudo estes não são ainda senão os mais pequenos exemplos do testemunho trazido por Cristo. O que funda a plenitude da fé, é a cruz do Senhor, a sua morte, o seu sepulcro. É por isso que, depois da resposta que citamos, ele diz ainda:”Feliz daquele que não cair por minha causa”. Com efeito, a cruz podia provocar a queda dos próprios escolhidos, mas não há testemunho maior de uma pessoa divina, nada que mais pareça ultrapassar as forças humanas, que esta oferta de um só pelo mundo inteiro. Somente por isso o Senhor se revela plenamente. Aliás, é assim que João o designa: ”Eis o Cordeiro de Deus, eis aquele que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29).
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Tu que escondes o teu ouro na terra (Mt 25, 25),
és o seu servo, não o senhor.
és o seu servo, não o senhor.
Lá onde estiver o teu tesouro, está também o teu coração. Nesse ouro, foi portanto o teu coração que enterraste. Vende antes o ouro e compra a tua salvação; vende o mineral e adquire o Reino de Deus, vende o campo e volta a comprar para ti a vida eterna.
Dizendo isto, digo a verdade, pois me apoio na própria palavra dAquele que é a Verdade: «Se queres ser perfeito, vende tudo quanto possuis e dá o dinheiro aos pobres. Construirás assim um tesouro no céu» (Mt 19,21). Não te entristeças de ouvir estas palavras, com medo que te seja dita a mesma palavra que ao jovem rico: « Como é difícil àqueles que possuem alguns bens entrar no Reino de Deus» (Mt 19,23).
Considera antes, ao leres esta frase, que a morte pode arrancar-te esses bens, que a violência de um poderoso pode roubar-tos. No fim de contas só terás tido em vista bens minúsculos em vez de grandes riquezas; são só tesouros de dinheiro em vez de tesouros de graça. Por isso mesmo, são corruptíveis, em lugar de permanecerem para sempre.
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Sobre o Credo
«Este Símbolo é o selo espiritual, a meditação do nosso coração e guardião sempre presente; ele é, seguramente, o tesouro da nossa alma.» (Symb.1) “Ele é o Símbolo guardado pela Igreja Romana, aquela onde Pedro, o primeiro dos Apóstolos, teve a sua Sé e para onde ele trouxe a comum expressão da fé” (Sententia Comunis).
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«Passou a noite a orar a Deus»
Comentário sobre S. Lucas 6
O Senhor reza, não com o fim de implorar favores para Si, mas com o fim de os obter para mim. Ainda que o Pai tenha posto todas as coisas à disposição do Filho, no entanto o Filho, para realizar plenamente a Sua condição de homem, visto que é o nosso advogado, acha por bem implorar o favor do Pai para nós. Não façais ouvidos insidiosos, figurando-vos que é por fraqueza que Cristo pede, para obter o que não pode realizar, Ele que é o autor de todo o poder. Como Mestre na obediência, Cristo forma-nos pelo Seu exemplo aos preceitos da virtude: «Temos junto do Pai um advogado, diz Ele» (1 Jo 2, 1). Se é advogado, deve intervir pelos meus pecados. Por conseguinte, não é por fraqueza mas sim por bondade, que Cristo implora. Quereis saber até que ponto Ele pode fazer tudo o que quer? Ele é ao mesmo tempo advogado e juiz: num reside um ofício de compaixão, no outro a insígnia do poder. «Passou a noite a orar a Deus». Cristo dá-vos um exemplo, traça-vos um modelo para imitardes.
O que é necessário fazer pela vossa salvação quando, por vós, Cristo passa a noite em oração? Que vos cabe fazer quando quereis empreender uma obra de piedade, see Cristo, no momento de enviar os Seus Apóstolos, orou e orou sozinho? Em parte nenhuma, se não estou em erro, encontramos que Ele tenha rezado com os Apóstolos. Por toda a parte, Cristo implora sozinho. É que o grande desígnio de Deus não pode ser tomado por desejos humanos, e ninguém pode entrar no pensamento íntimo de Cristo. Aliás, quereis saber como é bom para mim e não para Cristo, que Ele tenha orado? «Chamou os Seus discípulos e escolheu doze de entre eles» para os enviar, como semeadores da fé, a propagar por todo o mundo o auxílio e a salvação dos homens.
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«Abre tu boca a la palabra de Dios»
Comentários sobre los salmos, (Salmo 36, 65-66: CSEL 64, 123-125)
En todo momento, tu corazón y tu boca deben meditar la sabiduría, y tu lengua proclamar la justicia, siempre debes llevar en el corazón la ley de tu Dios. Por esto, te dice la Escritura: Hablarás de ellas estando en casa y yendo de camino, acostado y levantado. Hablemos, pues, del Señor jesús, porque él es la sabiduría, él es la palabra, y Palabra de Dios.
Porque también está escrito: Abre tu boca a la palabra de Dios. Por él anhela quien repite sus palabras y las medita en su interior. Hablemos siempre de él. Si hablamos de sabiduría, él es la sabiduría; si de virtud, él es la virtud; si de justicia, él es la justicia; si de paz, él es la paz; si de la verdad, de la vida, de la redención, él es todo esto.
Está escrito: Abre tu boca a la palabra de Dios. Tú ábrela, que él habla. En este sentido dijo el salmista: Voy a escuchar lo que dice el Señor, y el mismo Hijo de Dios dice: Abre tu boca que te la llene. Pero no todos pueden percibir la sabiduría en toda su perfección, como Salomón o Daniel; a todos, sin embargo, se les infunde, según su capacidad, el espíritu de sabiduría, con tal de que tengan fe. Si crees, posees el espíritu de sabiduría.
Por esto, medita y habla siempre las cosas de Dios, estando en casa. Por la palabra casa podemos entender la iglesia o, también, nuestro interior, de modo que hablemos en nuestro interior con nosotros mismos. Habla con prudencia, para evitar el pecado, no sea que caigas por tu mucho hablar. Habla en tu interior contigo mismo como quien juzga. Habla cuando vayas de camino, para nunca dejes de hacerlo. Hablas por el camino si hablas en Cristo, porque Cristo es el camino. Po el camino, háblate a ti Mismo, habla a Cristo. Atiende cómo tienes que ha blarle: Quiero -dice- que los hombres recen en cualquier lugar alzando las manos limpias de iras y divisiones. Habla, oh hombre, cuando te acuestes, no sea que te sorprenda el sueño de la muerte. Atiende cómo debes hablar al acostarte: No daré sueño a mis ojos, ni reposo a mis párpados, hasta que encuentre un lugar para el Señor, una morada para el Fuerte de Jacob.
Cuando te levantes, habla también de él, y cumplirás así lo que se te manda. Fíjate cómo te despierta Cristo. Tu alma dice: Oigo a mi amado que llama, y Cristo responde: Ábreme., amada mía. Ahora ve cómo despiertas tú a Cristo. El alma dice: ¡Muchachas de Jerusalén, os conjuro que no vayáis a molestar, que no despertéis al amor! El amor es Cristo.
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«O seu reino é indivisível e eterno»
Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas
“Todo o reino dividido contra si próprio corre para a ruína”. Como diziam que ele expulsava os demónios por Belzebu, príncipe dos demónios, ele queria, com estas palavras, mostrar que o seu reino é indivisível e eterno. Ele também respondeu a Pilatos: “O Meu reino não é deste mundo” (Jo 18,36). Portanto, os que não põem a sua esperança em Cristo, mas pensam que os demónios são expulsos pelo príncipe dos demónios, esses, diz Jesus, não pertencem a um reino eterno... Assim que a fé é despedaçada, como pode subsistir o reino dividido?... Se o reino da Igreja deve subsistir eternamente, é porque a sua fé é indivisível, o seu corpo único: “Há um único Senhor, uma única fé, um único baptismo. Há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, actua por meio de todos e Se encontra em todos” (Ef 4,5-6).
Que loucura sacrílega! Como o Filho de Deus tomou a nossa carne para esmagar os espíritos impuros e arrancar o espólio ao príncipe do mu ndo, como ele também deu aos homens o poder de destruir o espírito do mal, partilhando os despojos – o que é a marca do vencedor –, alguns chamam em sua ajuda o poder do diabo. E contudo, [como diz Lucas], é “o dedo de Deus” (cl 11,20) ou, como diz Mateus, “o Espírito de Deus” que expulsa os demónios. Compreendemos por isso que o Reino de Deus é indivisível como um corpo é indivisível uma vez que Cristo está à direita de Deus e que o Espírito parece ser comparável ao seu dedo.
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«Somos uns servidores inúteis»
Sobre o Evangelho de S. Lucas 8, 31-32
Que ninguém se vanglorie do que faz, pois que é em simples justiça que devemos o nosso serviço ao Senhor... Enquanto vivermos, devemos sempre trabalhar para o nosso Senhor. Reconhece pois que és um servidor preso a um grande número de serviços. Não te envaideças de ser chamado « filho de Deus» (1Jo, 3,1): reconheçamos esta graça, mas não esqueçamos a nossa natureza. Não te gabes se serviste bem, pois fizeste o que devias fazer. O sol desempenha o seu papel, a lua obedece, os anjos fazem o seu serviço. S. Paulo, « o instrumento escolhido pelo Senhor para os pagãos» (Act, 9, 15), escreve: « Eu não mereço o nome de apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus» (Co 15,9). E se algures ele mostra que não tem consciência de nenhuma falta, acrescenta, de seguida: «Mas nem por isso estou justificado» (1Co, 4,4). Nós também, não pretendamos ser louvados por nós próprios, não antecipemos o julgamento de Deus.
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«Obriga-os a entrar, para que a Minha casa se encha»
Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas, 7
Os convidados desculpam-se, mas o Reino só está fechado a quem dele se excluir pela sua própria palavra. Na sua clemência, o Senhor a todos convida; é a nossa cobardia, é o nosso descaminho, que dele nos afastam. Aquele que prefere comprar uma propriedade é estranho ao Reino; no tempo de Noé, compradores e vendedores foram engolidos pelo dilúvio (Lc 17, 28). […] O mesmo acontece àquele que se desculpa porque se casou, pois está escrito: “Se alguém vem ter comigo e não aborrece a seu pai, mãe, esposa […], não pode ser Meu discípulo” (Lc 14, 26).
Assim, após receber o desdém orgulhoso dos ricos, Cristo voltou-Se para os pagãos; chama bons e maus, para fazer crescer os bons, para melhorar as disposições dos maus. […] Convida os pobres, os doentes, os cegos, o que mostra que nenhuma enfermidade física afasta ninguém do Reino, e que a enfermidade dos pecados é sarada pela misericórdia do Senhor. […]
Manda, pois, procurá-los aos caminhos, porque “a Sabedoria clama nas ruas” (Prov 1, 20). Manda procurá-los às praças, dizendo aos pecadores que abandonem as vias espaçosas e tomem o caminho estreito que conduz à vida (Mt 7, 13). Manda buscá-los às estradas e aos valados, porque os mais capazes de chegar ao Reino dos Céus são aqueles que, sem se deixarem deter pelos bens presentes, se apressam a ir atrás dos futuros, tendo tomado a via da boa vontade […], opondo a muralha da fé às tentações do pecado.
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«Cumpriu-se hoje esta palavra da Escritura
que acabais de ouvir»
que acabais de ouvir»
Comentário ao Salmo I, 33
Sacia-te primeiro do Antigo Testamento para em seguida beberes do Novo. Se não beberes do primeiro, não poderás saciar-te do segundo. Bebe do primeiro para atenuares a sede que tens, do segundo para a estancares por completo. […] Sacia-te da taça do Antigo e do Novo Testamento porque, em ambos os casos, é Cristo que bebes. Bebe Cristo, porque Ele é a vinha (Jo 15, 1), Ele é a rocha de onde brotou a água (1Co 10, 3), Ele é a fonte da vida (Sl 36, 10). Bebe Cristo, porque Ele é “o rio, cujos canais alegram a cidade de Deus” (Sl 45, 5), Ele é a paz (Ef 2, 14) e “do seu seio correrão rios de água viva” (Jo 7, 38). Bebe Cristo, para te saciares do sangue da tua redenção e do Verbo de Deus. O Antigo Testamento é a sua palavra, como o é o Novo Testamento. Bebemos e comemos a Sagrada Escritura; nessa altura, o Verbo Eterno desce às veias do espírito e penetra na vida da alma. “Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Dt 8, 3; Mt 4, 4). Sacia-te, pois, deste Verbo, mas segundo a ordem que convém. Começa por bebê-Lo no Antigo Testamento, passando depois, sem tardar, ao Novo.
Ele próprio nos diz, como se tivesse pressa: “Povo que andas nas trevas, vê esta grande luz; tu que habitas uma terra de sombras, uma luz brilha para ti” (Is 9, 2). Bebe, pois, sem demora, e uma grande luz te inundará; não será a luz quotidiana do dia, do sol ou da lua, mas a luz que afasta as sombras da morte.
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O testemunho dos profetas
conduz ao testemunho dos apóstolos
conduz ao testemunho dos apóstolos
Sobre o salmo 45, 2
O Senhor Jesus quis que Moisés subisse sozinho a montanha, mas a ele juntou-se Josué (Ex 24, 13). Também no Evangelho, foi a Pedro, Tiago e João, entre todos os discípulos que revelou a glória da sua ressurreição.
Pretendia, assim, que o seu mistério se conservasse escondido e advertia-os frequentemente que não anunciassem facilmente, fosse a quem fosse, aquilo que tinham visto, para que um ouvinte excessivamente fraco não encontrasse nisso um obstáculo que impedisse o seu espírito inconstante de receber esses mistérios em toda a sua força. É que o próprio Pedro «não sabia o que dizia», pois que pensava que era preciso montar três tendas para o Senhor e os seus companheiros. Em seguida, não conseguiu suportar o brilho de glória do Senhor que se transfigurava, e caiu por terra (Mt 17,6), como também caíram «os filhos do trovão» (Mc 3,17), Tiago e João, quando a nuvem os cobriu...
Eles entraram, pois, na nuvem para conhecerem o que é secreto e oculto, e foi lá que ouviram a voz de Deus dizendo: « Este é o meu Filho muito querido em quem pus todo o meu amor: ouvi-o». O que significa «Este é o meu filho muito querido»? Isso quer dizer — Simão Pedro, não te enganes! — que não deves colocar o Filho de Deus ao mesmo nível que os servidores. «Este é o meu Filho: Moisés não é o meu Filho, Elias não é o meu Filho, ainda que um tenha aberto o céu e o outro tenha fechado o céu». Com efeito, um e outro, na palavra do Senhor, venceram um elemento da Natureza (Ex 14; 1R 17,1), mas eles apenas ofereceram o seu ministério àquele que fortaleceu as águas e fechou, pela secura, o céu, que derreteu em chuva quando quis.
Quando se trata de um simples anúncio da ressurreição, faz-se apelo ao ministério dos servidores, mas quando se mostra a glória do Senhor que ressuscita, a glória dos servidores cai na obscuridade. É que, ao elevar-se, o sol obscurece as estrelas, e todas as suas luzes desaparecem diante do brilho do sol eterno de justiça (Ml 3,20).
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Pronunciar-se por Cristo em frente dos homens
Homilia 20 sobre o Salmo 118
Em cada dia podes ser testemunha de Cristo. Foste tentado pelo espírito de impureza; mas...julgaste que não convinha manchar a castidade do espírito e do corpo: tu és mártir, quer dizer, testemunha de Cristo... Foste tentado pelo espírito do orgulho; mas ao ver o pobre e o indigente, foste tomado de uma terna compaixão, preferiste a humildade à arrogância: tu és testemunha de Cristo. Melhor do que isso: não deste o teu testemunho apenas com palavras mas também com actos.
Qual é o testemunho mais seguro? “Quem confessa que o Senhor Jesus veio para o meio de nós na carne” (1Jo 4,2) e quem observa os preceitos do Evangelho... Quantos não há, em cada dia, desses mártires escondidos de Cristo, que confessam o Senhor Jesus! O apóstolo Paulo conheceu esse martírio e o testemunho de fé rendido a Cristo, ele que disse: “A nossa glória consiste no testemunho da nossa consciência” (2 Cor 1,12). Porque quantos confessaram a fé exteriormente mas a negaram interiormente!... Sede poi s fieis e corajosos nas perseguições interiores para triunfardes também nas perseguições exteriores. Nas perseguições de dentro igualmente há “reis e governadores”, juízes com um poder temível. Tu tens um exemplo nas tentações sofridas pelo Senhor (Mt 4,1s).
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Marta e Maria acolhem a Sabedoria
Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas
A virtude não tem apenas um rosto. O exemplo de Marta e Maria mostra-nos, através das obras de uma, a dedicação activa, e noutra, a atenção religiosa do coração à palavra de Deus. Se estiver unida a uma fé profunda, esta atenção é preferível às próprias obras: “Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada.” Esforcemo-nos pois, também nós, por possuir aquilo que ninguém poderá tirar-nos, emprestando um ouvido não distraído, mas atento; pois até a própria semente da palavra celeste poderá ser arrebatada, se for semeada ao longo do caminho (cf. Lc 8, 5-12).
Sê, pois, como Maria, animada pelo desejo da sabedoria; aí está uma obra maior, mais perfeita. Que as preocupações do ministério te não impeçam de aprender a conhecer a palavra celeste. Não critiques nem consideres ociosos aqueles que vires aplicarem-se à sabedoria, pois Salomão, o pacífico, convidou-a para sua casa, para que permanecesse com ele (cf. Sab 9, 10). Não se trata, porém, de censurar Marta pelos b ons serviços por ela prestados; Maria tem a preferência por ter escolhido a melhor parte. Jesus possui múltiplas riquezas, que distribui com largueza; a mais sábia escolheu aquela que reconheceu ser a principal.
Aliás, os apóstolos também não acharam que devessem abandonar a palavra de Deus para servir às mesas (cf. Act 6, 2). Mas ambas as coisas são obra da sabedoria; pois Estêvão também estava cheio de sabedoria, e foi escolhido como servidor. […] É que o corpo da Igreja é um só; e, se os seus membros são diversos, é porque precisam uns dos outros. “O olho não pode dizer à mão: ‘Não tenho necessidade de ti’” (1Cor 12, 21). […] Se alguns membros são mais importantes, os outros nem por isso deixam de ser necessários. A sabedoria reside na cabeça, a actividade nas mãos. “O sábio tem os olhos na cabeça”, diz o Eclesiástico (2, 14), porque o verdadeiro sábio é aquele cujo espírito está em Cristo e cujo olhar interior se eleva para as alturas.
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«Os filhos estão isentos»
Carta 35, a Orontiano, 6, 13
O apóstolo Paulo diz que a própria criação espera a revelação dos filhos de Deus (Ro 8,19). Esta criação está agora entregue, contra a sua vontade, ao poder do nada; mas vive na esperança. Porque ela espera que Cristo a ajudará pela sua graça a libertar-se da escravidão da inevitável degradação e a receber a liberdade gloriosa dos filhos de Deus. Deste modo, haverá uma só liberdade, para a criação e para os filhos de Deus, quando a glória destes se revelar. Mas agora, enquanto essa revelação se fizer desejar, toda a criação geme esperando partilhar a glória da nossa adopção e da nossa redenção (Ro 8,22)...
É evidente que as criaturas que gemem à espera da adopção têm em si os primeiros dons do Espírito. Esta adopção dos filhos é a redenção do corpo na sua integralidade, quando ele, na qualidade de filho adoptivo de Deus, puder ver face a face esse bem eterno e divino. Há já adopção filial na Igreja do Senhor quando o Espírito exclama em nós: "Abba, Pai" (Ga 4,6). Mas essa adopção será perfeita quando aqueles que forem admitidos a ver a face de Deus ressuscitarem todos para a imortalidade, para a honra e para a glória. Só então poderemos considerar a condição humana como verdadeiramente resgatada. É por isso que o apóstolo Paulo ousa dizer: "Fomos salvos na esperança" (Ro 8,24). Com efeito, a esperança salva, tal como a fé, da qual está dito: "A tua fé te salvou" (Mc 5,34).
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«Eu sou o Pão da Vida»
Sobre os mistérios, 48-49, 58
É admirável que Deus tenha feito chover o maná sobre os nossos pais e que eles tenham sido diariamente saciados com o pão do céu. É por isso que está escrito: “O homem comeu o pão dos anjos” (Sl 77, 25). Contudo, aqueles que comeram este pão do deserto estão todos mortos. Pelo contrário, o alimento que agora recebes, este Pão vivo que desceu dos céus, é sustento para a vida eterna, e quem come deste Pão não morrerá jamais. É o Corpo de Cristo. […]
Esse maná era do céu, este é do cimo dos céus; aquele era um dom do céu, este é o Senhor dos céus; aquele estava sujeito à corrupção quando era guardado nem que fosse até ao dia seguinte, a este é estranha toda a corrupção: quem dele prova com respeito não pode ser tocado pela corrupção. A água brotou dos rochedos para os hebreus, para ti brota o sangue de Cristo. A água saciou-os por momentos, o sangue lava-te para sempre. Os hebreus beberam e têm sede. Tu, depois de teres bebido, nunca mais poderás ter sede (cf. Jo 4, 14). Aquilo era a pré-figuração, isto é a verdade plena. […]
Era a “sombra do que devia vir” (Col 2, 17). Escuta o que foi manifestado a nossos pais: “De facto, todos bebiam de um rochedo espiritual que os seguia, que era Cristo” (1Cor 10, 4). […] Tu conheceste o cumprimento, tu viste a luz plena, a verdade pré-figurada, o corpo do Criador, mais do que o maná do céu. […] Sobre aquilo que comemos e aquilo que bebemos, diz o Espírito Santo: “Saboreai e vede como é bom o Senhor; feliz o homem que Nele se abriga” (Sl 33, 9).
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«Bem-aventurados os pobres.
Bem-aventurados os que choram.»
Bem-aventurados os que choram.»
Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas
“Bem-aventurados os pobres.” Os pobres não são todos bem-aventurados; porque a pobreza é uma coisa neutra; pode haver pobres bons e pobres maus. Bem-aventurado o pobre que clamou e que o Senhor ouviu (Sl 33, 7): pobre de pecados, pobre de vícios, o pobre em quem o príncipe deste mundo nada encontrou (Jo 14, 30), pobre à imitação daquele Pobre que, sendo rico, Se fez pobre por nós (2Co 8, 9). É por isso que Mateus dá a explicação completa: “Bem-aventurados os pobres de espírito”, porque o pobre de espírito não incha de orgulho, não se exalta em pensamentos exclusivamente humanos. Essa é, pois, a primeira bem-aventurança.
[“Bem-aventurados os mansos”, escreve Mateus em seguida.] Tendo abandonado por completo o pecado, feliz com a minha simplicidade destituída de mal, resta-me moderar o carácter. De que me serve faltarem-me os bens do mundo, se não for manso e tranquilo? Porque seguir o caminho recto é, evidentemente, seguir Aquele que diz: “Aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 29).
Dito isto, recorda-te de que és pecador; chora os teus pecados, chora as tuas faltas. E é razoável que a terceira bem-aventurança seja para aqueles que choram os seus pecados, porque é a Trindade que perdoa os pecados. Purifica-te, pois, pelas tuas lágrimas e lava-te pelo teu pranto. Se choras por ti mesmo, mais ninguém terá de chorar por ti. Toda a gente tem mortos por quem chorar; estamos mortos quando pecamos. Que aquele que é pecador chore, pois, por si mesmo e se repreenda, a fim de se tornar justo, porque “o justo acusa-se a si mesmo” (Pr 18, 17).
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O choro de uma mãe
Sobre o Evangelho de S. Lucas, V
A divina misericórdia deixa-se dobrar facilmente aos gemidos desta mãe. Ela é viúva; os sofrimentos ou a morte do seu filho único esmagaram-na... Parece-me que esta viúva, rodeada pela multidão do povo, é mais do que uma simples mulher que merece pelas suas lágrimas a ressurreição de um filho, jovem e único. É a própria imagem da Santa Igreja que, com as suas lágrimas, em pleno cortejo fúnebre e mesmo junto ao túmulo, obtém a graça de trazer de volta à vida o jovem povo deste mundo...
Porque à palavra de Deus os mortos ressuscitam, reencontram a voz, tal como a mãe reencontra o seu filho: ele foi chamado da tumba, foi arrancado ao sepulcro. Que é esta tumba para vós, senão a vossa má conduta? O vosso túmulo é a falta de fé... Desse sepulcro, é Cristo quem vos liberta; saireis do sepulcro se escutardes a palavra de Deus. E, se o vosso pecado for grave demais para que as lágrimas da vossa penitência o possam lavar, que intervenha em vosso favor o choro da vossa mãe Igreja... Ela intercede por cada um dos seus filhos, como por tantos outros filhos únicos. Com efeito, ela está cheia de compaixão e experimenta uma dor espiritual de mãe quando vê os seus filhos arrastados pelo pecado para a morte.
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«Eu te ordeno, levanta-te!»
Tratado sobre são Lucas 8, 40-56 (SC 45, p.249)
Antes de ressuscitar uma defunta, querendo despertar a fé, Jesus começa por curar a mulher que padecia de hemorragias. Esse fluxo estancou para nosso esclarecimento: enquanto Jesus se aproxima de uma, a outra já está curada. Assim, para acreditarmos na nossa vida eterna, celebramos a ressurreição temporal do Senhor que viveu a sua Paixão…
Os criados de Jairo que dizem: «Não importuneis o Mestre» não acreditam na ressurreição predita na Lei e consumada no Evangelho. Por isso, Jesus não leva consigo senão poucas testemunhas da ressurreição que vai ter lugar. A multidão, essa, ri-se de Jesus quando diz: A menina não morreu, está a dormir». Os que não crêem riem-se. Que chorem, pois, os seus mortos aqueles que os julgam mortos. Quando se tem fé na ressurreição, não se vê na morte um fim, mas um descanso…
E Jesus, pegando na mão da menina, curou-a; depois ordenou que lhe dessem de comer. É uma constatação da vida para que não se possa pensar numa ilusão mas na realidade. Feliz aquela a quem a Sabedoria segura pela mão! Queira Deus que Ela também pegue na nossa, à hora de atuarmos. Que a Justiça segure a minha mão; que o Verbo de Deus pegue nela, que me introduza no seu recolhimento e afaste o meu espírito do erro, recuperando aquele a quem salva! Que Ele mande dar-me de comer: o pão do céu é o Verbo de Deus. A Sabedoria que colocou sobre o altar os alimentos do Corpo e Sangue do Filho de Deus, disse: «Vinde e comei do meu pão e bebei do vinho que preparei!» (Pr 9, 5).
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«Jesus foi então conduzido pelo Espírito até ao deserto
para ser tentado pelo diabo»
para ser tentado pelo diabo»
Comentário de S. Lucas
Temos de recordar a forma como o primeiro Adão foi expulso do Paraíso para que a nossa atenção se fixe na forma como o segundo Adão (1 Co 15,45) regressa do deserto ao Paraíso. Com efeito, vemos que a primeira condenação é desfeita da mesmo forma que tinha sido feita e que os benefícios divinos são restabelecidos sobre as marcas dos antigos. Adão vem de uma terra virgem, Cristo vem da Virgem; aquele foi criado à imagem de Deus, este é a Imagem de Deus (Cl 1,15); aquele foi colocado acima de todos os animais sem raciocínio, este acima de todos os seres vivos. Por uma mulher veio a loucura, por uma virgem a sabedoria; a morte veio de uma árvore, a vida veio pelo cruz. Um deles, despido do vestuário espiritual, teceu uma veste com folhas de árvore; o outro, despido do vestuário deste mundo, nunca mais desejou uma veste material (Jo 19,23).
Adão foi expulso para o deserto, Cristo volta ao deserto, porque sabia onde encontrar o condenado que traria de novo ao Paraíso, liberto da sua falta... Como é que, sem guia, poderia encontrar no deserto o caminho perdido, aquele que, por não ter guia, tinha perdido no Paraíso o caminho que seguia?
Ali, as tentações são muitas, o esforço em ordem à virtude é difícil e é fácil tropeçar no erro... Sigamos então a Cristo, conforme está escrito: "Caminharás após o Senhor teu Deus e ligar-te-ás a Ele" (Dt 13,4)... Sigamos então os seus passos e poderemos regressar do deserto ao Paraíso.
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«O vosso Pai que está nos céus
não quer que um só destes pequeninos se perca»
não quer que um só destes pequeninos se perca»
Comentário do Salmo 118
Vem, Senhor Jesus, procura o teu servo; procura a tua ovelha fatigada; vem, pastor… Enquanto demoras nas montanhas, olha que a tua ovelha está perdida; deixa então as outras noventa e nove que são tuas e vem procurar a única que se perdeu. Vem, sem procurares ajuda, sem te fazeres anunciar; é por ti que eu espero agora. Não tragas o chicote, traz o teu amor; vem com a doçura do teu Espírito. Não hesites em deixar nas montanhas essas noventa e nove ovelhas que são tuas; nos cumes para onde as levaste os lobos não têm acesso… Vem a mim, que me perdi longe dos rebanhos do alto, porque também para lá me tinhas levado mas os lobos da noite fizeram-me abandonar o teu redil.
Procura-me, Senhor, porque a minha oração te procura. Procura-me, encontra-me, ergue-me, leva-me contigo! Aquele que procuras, podes encontrá-lo; aquele que encontras, digna-te erguê-lo; aquele que ergues, põe-no aos teus ombros. Esse fardo do teu amor nunca te pesou e, sem cessar, tu te fazes para ele cobrador da justiça. Vem então, Senhor, porque se é verdade que eu erro, “eu nunca esqueci a tua palavra” (cf. Sl 119/118) e guardo a esperança da salvação. Vem, Senhor, tu és o único que ainda pode chamar pela tua ovelha perdida e isso não fará sofrer as outras que vais deixar; também elas vão ficar contentes quando virem regressar o pastor. Vem e haverá salvação sobre a terra e alegria no céu (Lc 15,7).
Não envies os teus servos, não envies mercenários; vem tu mesmo procurar a tua ovelha. Ergue-me desta carne que caiu com Adão. Reconhece em mim, não o filho de Eva mas o filho de Maria, virgem pura, virgem pela graça, sem qualquer mancha de pecado; depois, leva-me até à tua cruz: ela é a salvação dos errantes, o único repouso dos fatigados, a única vida de todos os que morrem.
«Avança para o largo e lançai as redes»
Tratado sobre o evangelho de S. Lucas
"Avança para o largo", quer dizer, para o mar alto dos debates. Haverá profundidade comparável ao "abismo da riqueza, da sabedoria e da ciência do Filho de Deus" (Ro 11,33), à proclamação da sua filiação divina?... A Igreja é conduzida por Pedro para o mar alto do testemunho, para contemplar o Filho de Deus ressuscitado e o Espírito Santo derramado.
Quais são as redes dos apóstolos que Cristo manda lançar? Não será o encadeado das palavras, as voltas do discurso, a profundidade dos argumentos, que não deixam escapar aqueles que são agarrados? Estes instrumentos de pesca dos apóstolos não fazem morrer a presa, mas guardam-na, retiram-na dos abismos para a luz, conduzem-na lá de baixo até às alturas...
"Mestre, diz Pedro, trabalhamos toda a noite sem nada apanhar mas, à tua palavra, lançarei as redes". Também eu, Senhor, sei que para mim se faz noite quando tu não me dás ordens. Ainda não converti ninguém com as minhas palavras, ainda é noite. Falei no dia da Epifania: lancei a rede e não apanhei nada. Lancei a rede durante o dia. Espero que tu me ordenes; à tua palavra, tornarei a lançá-la. A confiança em si mesmo é vã, mas a humildade dá muito fruto. Aqueles que até então não tinham apanhado nada, eis que, à palavra do Senhor, capturam uma enorme quantidade de peixes.
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